domingo, 21 de outubro de 2012

O HOMEM DE UMA MENSAGEM SÓ



                                                                                             
 Spurgeon
III. Mas devo prosseguir para o terceiro comentário, que O APÓSTOLO NÃO PODERIA CAUSAR DANO A NINGUÉM AO LIMITAR-SE A EXPOR ESTE TEMA. Sabeis, Irmãos, que quando alguém se limita a um só tema torna-se muito forte nele, mas torna-se muito fraco em outras áreas, de tal forma que o homem de um só pensamento é descrito geralmente segundo o dito: ‘cada louco com o seu tema.’ Pois bem, este era o tema favorito de Paulo, mas era o tipo de tema no qual um homem se pode concentrar sem lesar-se a si mesmo ou ao seu vizinho: continuará um homem íntegro e completo, ainda que se submeta de maneira total e única a este tema.
Mas deixai-me dizer-vos que ‘Cristo crucificado é o único tema com esta característica. Permitais-me mostrar-vos que isto é assim. Conheceis uma classe de ministros que pregam doutrina — e unicamente doutrina. O seu modo de pregar parece-se com a contagem dos dedos de uma mão: “um, dois, três, quatro, cinco”, e para variar: “cinco, quatro, três, dois, um”, — sempre um conjunto de determinadas Verdades de Deus e nada mais. Qual é o impacto deste ministério? Pois é, geralmente, formar uma geração de homens que pensam que sabem tudo, mas que em realidade sabem muito pouco — muito decididos e isto é positivo— mas muito estreitos, muito limitados, muito intolerantes, o que é negativo! Não podes pregar unicamente doutrina sem que a tua mente se contraia e que contraias a mente dos teus ouvintes.
Há outros que pregam experiência unicamente. São muito boas pessoas. Não os estou condenando, como tampouco aos seus amigos, os pregadores doutrinais, ainda que eles também possam causar dano. Alguns deles tocam unicamente as notas sombrias da experiência, dizendo-nos que ninguém pode ser um filho de Deus, a menos que esteja consciente do horrível caráter do seu pecado inato, e gema a cada dia sob o peso que o oprime. Há alguns anos escutávamos bastante acerca destas notas sombrias, ainda que agora haja menos abundância delas. Equivoco-me ao afirmar que este ensino forma uma raça de homens que mostram a sua humildade, julgando a todos aqueles que não podem gemer de uma maneira tão grave como eles? Uma nova classe se levantou recentemente que prega acerca da experiência, porém a sua entonação é dada nas notas altas da escala.
Eles flutuam muito acima, penso eu, ao estilo dos balões. Só reconhecem o lado brilhante da experiência, sem querer enfrentar o lado escuro e a morte. Para eles não existe a noite; elevam os seus cantos em dias de perpétuo Verão. Conquistaram o pecado e ignoraram-se a si mesmos. Bom, isso afirmam eles, mas nós não teríamos dado conta disso, se eles não nos houvessem dito! Pelo contrário, ter-nos-íamos imaginado que tinham uma muito enriquecida ideia a respeito deles mesmos e dos seus lucros. Espero estar errado, mas pareceu a alguns de nós, em data recente, que o ego cresceu de maneira descomunal em alguns destes nossos amados Irmãos! Certamente que as suas práticas e a sua pregação consistem em grande medida em declarações verdadeiramente maravilhosas a respeito da sua própria condição admirável.
Eu gostaria de saber a respeito do seu progresso na Graça, se este acaso é real. Mas eu queria verificar isto pessoalmente ou comprová-lo por meio de terceiros, posto que há um inspirado Provérbio que diz: “Deixa que outros te louvem, mas não os teus próprios lábios.” E, no que a mim respeita, se alguém considerasse adequado elogiar-me, preferiria que guardasse a sua língua, porque o engrandecimento dos homens não é um bom negócio. Unicamente o Senhor deve ser engrandecido! Parece-me que é claro, que se originam graves falhas no fato de se pregar uma vida interior, em lugar de se pregar a Cristo, que é a própria Vida!
Outra classe de ministros pregou quase só sobre preceitos. Necessitamos destes homens como também necessitamos dos outros — todos são úteis e funcionam como antídoto duns contra os outros— mas os seus ministérios são incompletos. Se escutardes pregações acerca de deveres e mandamentos, está muito bem, mas se esse é o seu único tema, o ensino torna-se legalista com o tempo; e em pouco tempo o verdadeiro Evangelho que tem o poder de nos fazer cumprir o preceito, é deslocado para segundo plano — e nem o preceito pode ser cumprido, depois de tudo! Tendes de fazer isto, tendes de fazer aquilo, tendes de fazer o que está mais à frente e terminais por não fazer nada! Se um irmão pretendesse pregar sobre ordenanças unicamente, como aqueles que estão sempre elogiando o que se conhece como os santos sacramentos— bem, vós sabeis para onde vai esse ensino— encaminha-se para o sudeste, e a sua linha principal atravessa a cidade de Roma.
Mais ainda, querido Irmão, até se pregas a Jesus Cristo unicamente, deves concentrar-te no ponto em que se concentrou Paulo, isto é, “Este crucificado”, já que não O deves ver sob nenhum outro aspecto, exclusivamente. Por exemplo, a pregação da Segunda Vinda, que no seu lugar e proporção, é admirável, tem sido tomada fora do seu lugar por alguns, e tem-se convertido no fim último e no tudo do seu ministério. Isso, vós vedes, não é o que Paulo tinha escolhido, e não é uma selecção segura. Em muitos casos, o mais flagrante fanatismo tem sido o resultado de se concentrarem exclusivamente na profecia, e provavelmente mais homens enlouqueceram por causa desse tema, do que por causa de qualquer outra questão religiosa! Eu não saberei se alguém pode tornar-se fanático acerca de Cristo Crucificado, mas nunca escutei nada a esse respeito. Se um homem pode tornar-se louco pelo seu amor para com o Redentor Crucificado, não sei, nunca me encontrei com um caso assim.
Mas se eu me tornasse louco, gostaria que fosse por essa causa, e gostaria de transmitir essa loucura a muitos, posto que é o tema ideal para perder a razão —ser desarrazoadamente absorvido em Cristo Crucificado— perder o sentido pela fé em Jesus! A realidade é que não pode afetar a mente, é uma doutrina que pode ser escutada eternamente, e sempre terá frescura, será nova e adequada para a nossa total humanidade. Digo que a adesão a esta doutrina não pode causar nenhum dano, e a razão é esta — contém tudo o que é vital em si mesmo. Se te mantiveres no limite de Cristo e Este crucificado, terás apresentado aos homens todo o essencial para esta vida e para a vindoura; ter-lhes-ás dado a raiz da qual pode brotar tanto o ramo como a flor, tanto o fruto do pensamento santo como a palavra e a obra.
Basta que um homem conheça ‘Cristo crucificado e conhecerá Quem é a fonte da vida eterna. Este é um tema que não desperta uma parte do homem, enquanto a outra parte permanece adormecida. Não estimula a sua imaginação e deixa sem nenhum ensino o seu juízo; não alimenta o intelecto e mata a fome do coração. Não há nenhuma faculdade do nosso ser que não seja afetada permanentemente por Cristo crucificado. A humanidade perfeita de Cristo crucificada afeta a mente, o coração, a memória, a imaginação, o pensamento, tudo! Assim como no leite se encontram todos os ingredientes necessários para a vida, assim também em Cristo crucificado se encontra tudo o que necessitamos para o sustento da nossa alma. Assim como a mão do músico principal de David tocava cada uma das dez cordas da sua harpa, assim também Jesus extrai uma doce música de toda a nossa humanidade.

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