domingo, 31 de agosto de 2014

“EM MEU LUGAR”



HORATIUS BONAR


Há já muitos anos, no princípio do verão, quando as árvores apenas começavam a verdear dando-nos sombra, passeava com um amigo pela prazenteira borda de um rio, na Escócia. Um mendigo esfarrapado aproximou-se de nós para pedir esmola. Ajudamo-lo em algo, e começamos a conversar com ele. O homem não sabia ler nem escrever. Não sabia nada da Bíblia, e pouco lhe importava.
         – Você precisa ser salvo, não é assim?
         – Oh sim, suponho que sim – Respondeu ele.
         – Mas, acaso sabe como sê-lo? – Perguntamos-lhe.
         – Creio que sim – Respondeu.
         – Como crê que pode ser salvo?
         – Não fui um mau homem, e faço todas as boas obras que posso.
         – Mas, serão as suas boas obras suficientes para lhe assegurar o Céu? – Continuamos perguntando.
         – Acredito que sim, estou fazendo o melhor que posso.
         – Conhece boas obras melhores do que as suas?
         – Sei das boas obras dos santos, mas como posso eu fazê-las?
         – Sabe de boas obras melhores do que as dos santos?       
         – Não acredito que possa haver boas obras melhores do que as deles – Disse o mendigo.
         – Acaso não são as obras do Senhor Jesus Cristo melhores do que as obras dos santos?
         – É óbvio que sim. Mas, do que me servem?
         – Podem ser-nos muito úteis se crermos o que Deus nos tem dito acerca delas.
         – Como é isso?
         – Se Deus está disposto a considerar estas obras de Cristo em lugar das suas, não seria isso suficiente?
         – Sim, seria suficiente. Mas, acaso o fará?
         – Sim – Respondemos– , fá-lo-á. Isto é justamente o que Ele nos tem dito. Está disposto a tomar tudo o que Cristo tem feito e sofrido, em lugar de tudo o que você pudesse fazer e sofrer, e a dar-lhe o que Cristo merece em lugar daquilo que você mesmo merece.
         – É este realmente o caso? Está Deus disposto a pôr Cristo em meu lugar
         – Sim, realmente está disposto a fazê-lo – Respondemos.
         – Mas, então, eu não tenho de fazer boas obras?
         – Sim, muitas – Respondemos– , mas não para comprar com elas o perdão dos seus pecados. Você tem de tomar o que Cristo fez como o preço pago pelo perdão dos seus pecados; e logo, tendo obtido um perdão gratuito, você trabalhará para O que lhe perdoa como uma maneira de corresponder ao amor dEle.
         – Mas, como posso lograr isto? – Perguntou ele.
         – Crendo no evangelho, ou boas novas, que lhe explica tudo sobre o Senhor Jesus Cristo: como viveu, como morreu, como foi sepultado, como ressuscitou... tudo para bem do homem pecador. Como diz a Bíblia: “Por Este [Jesus Cristo] se vos anuncia a remissão dos pecados... por Ele é justificado todo aquele que crê” (Atos 13:38-39).
         O mendigo, assombrado, começou a refletir. O pensamento de que as obras de outro, em lugar das suas, seriam suficientes, e que podia obter tudo o que merecem as obras deste outro, pareceu impressioná-lo. Nunca voltamos a encontrar-nos. Mas, era evidente que a Palavra tinha feito um impacto nele. Pareceu captá-la, embora nunca a tivesse ouvido antes, eram novas muito boas para ser verdade.
         Desde então, tenho relatado muitas vezes esta anedota, para ilustrar o evangelho; e tem tido o seu efeito. O assombro do homem perante o fato de que as obras de outro, em lugar das suas, eram suficientes, comunica a ideia dos efeitos produzidos pelo evangelho de Cristo. “Cristo por nós”, é a mensagem que anunciamos; Cristo “carregando os nossos pecados no Seu próprio corpo no madeiro”. Cristo fazendo o que devíamos ter feito nós, carregando o que nós devíamos ter carregado; Cristo cravado na nossa cruz, morrendo a nossa morte, pagando a nossa dívida: tudo isto para acercar-nos de Deus e para nos dar a vida eterna. Esta é a mensagem pura do evangelho: que todo aquele que crê é salvo, e nunca virá a condenação.
         São poucos os que não sabem o que significa a palavra “substituto” em relação com as coisas comuns; não obstante, convém-nos considerar como compreender corretamente o significado desta palavra, pois é a chave para a compreensão correta do evangelho. “Cristo por nós”, ou Cristo nosso Substituto, é o evangelho, ou as boas novas de grande gozo, que os apóstolos pregaram, e que nós podemos anunciar ainda nestes tempos últimos aos filhos dos homens como a sua verdadeira esperança. As boas novas que anunciamos não constituem o que Deus nos ordena fazer a fim de Ele Se reconciliar conosco, mas o que o Filho de Deus tem feito em nosso lugar. Tomou o nosso lugar aqui na Terra, a fim de que pudéssemos obter um lugar no Céu. Como o Único Perfeito, na vida e na morte, como o Autor e o Sofredor, Deus apresenta-Se a fim de que obtenhamos o benefício completo dessa perfeição assim que recebemos o Seu evangelho. Toda a nossa imperfeição, por maior que seja, desaparece perante a Sua completa perfeição, de modo que Deus vê-nos não como nós somos, mas como Ele é. Tudo o que somos, fizemos e fomos, desaparece no que Ele é, fez, e foi. “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, Nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Coríntios 5:21).
         Esta totalidade com que carregou com os pecados o Filho de Deus, como o Substituto, é a base da fé do pecador. É sobre isto que apoiamos os nossos entendimentos com Deus. Necessitamos de alguém que carregue com os nossos pecados, e Deus deu-nos Aquele que é totalmente perfeito e divino. “O castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e, pelas Suas pisaduras, fomos sarados.” (Isaías 53:5). “Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24).
         Em certa ocasião favorável conversamos sobre isto com um jovem. Este, sentado com a sua Bíblia nas suas mãos, refletia sobre o caminho da vida, interrogando-se: “O que devo fazer para ser salvo?” Encontrava-se em trevas e não captava nada de luz. Era um pecador... Como podia ser salvo? Era culpado... Como podia ser perdoado?
         – “Não por obras da justiça que nós tivéssemos feito”, – Dissemos-lhe.
         – Certamente que não, mas então, como? – Perguntou.
         – Por meio de Cristo que fez tudo.
         – Mas, é possível isto? –Continuou perguntando–. Posso ser salvo por meio de alguém que receba o castigo em meu lugar?
         – Não só é possível, mas também assim é. Esta é a maneira, a única maneira. É a maneira como Deus salva o pecador.
         – E eu não tenho de fazer nada? – Inquiriu.
         – Nada para ser salvo – Respondemos.
         – Explique-me como isto é possível.
         – Voltemos para a verdade sobre o substituto. Sabes o que é isso?
         – Sim, mas isso, o que tem que ver comigo?
         – Cristo oferece-Se para ser teu Substituto, para fazer o que te teria correspondido fazer a ti; sofrer o que te teria correspondido sofrer a ti, pagar o que te teria correspondido pagar a ti.
         – Significa isto que Cristo de fato pagou a minha dívida, e que isto é o que tenho de crer para ser salvo?
         – Não. A tua dívida não foi paga até que creias: quando crês fica paga, paga de uma vez por todas, de uma vez para sempre; mas não até que creias.
         – Então, como é a obra de Cristo, como o Substituto, as boas novas para mim?
         – Suponhamos que há suficiente dinheiro depositado no banco para pagar duplamente as tuas dívidas, e unicamente o que tens de fazer é solicitá-lo. Entregas o teu cheque, e recebes o dinheiro imediatamente.
         – Entendo, entendo – Disse o jovem– . É “crer” o que realmente me faz possuidor de todos os frutos da obra Dele ter carregado os pecados sobre Si mesmo na cruz.
         – Sim, exatamente. Ou deixa-me dizê-lo de outro modo. Cristo morreu pelos nossos pecados. Ele é o nosso Substituto. Apresenta-Se a ti como tal. Estás disposto a aceitá-Lo como tal, para que pague todas as tuas dívidas e perdoe todos os teus pecados?
         – Sim. Mas quero compreender isso melhor porque me parece muito simples.
         – Bom, digamo-lo desta forma: Deus há provido um Substituto para os culpados, O qual, há séculos, sofreu pelos nossos pecados, o Justo pelos injustos. O Pai apresenta-te este Substituto perfeito e pede-te que aceites a substituição. O Filho apresenta-Se a ti, oferecendo ser o teu Substituto. O Espírito Santo apresenta como Substituto. Aceitá-lO? O Pai está disposto, o Filho está disposto, o Espírito está disposto. Estás tu disposto? Dás o teu consentimento?
         – Isso é tudo? – Perguntou ele.
         – Sim, é. A tua aceitação de Cristo como teu Substituto marca o amanhecer de um novo dia, de uma nova vida.
         Assim é como se rompem as cadeias do pecador e este é posto em liberdade para servir a Deus. Primeiro liberdade, depois serviço; o serviço de homens livres da condenação e da escravidão. É por aceitar o Substituto divino que o pecador é posto em liberdade para servir ao Deus vivo. A liberdade que flui do perdão recebido deste modo é o verdadeiro começo de uma vida santa.
         Portanto, se tenho de viver uma vida santa, tenho de começar com o Substituto, tenho de recorrer a Ele para receber perdão e libertação. Porque por Ele somos “libertados das mãos de nossos inimigos,” O servimos “sem temor, em santidade e justiça perante Ele, todos os dias da nossa vida” (Lucas 1:74, 75).
         Se tenho de servir a Deus, e se tenho de possuir a “verdadeira religião”, tenho de começar com o Substituto; porque a religião começa com o perdão; e sem o perdão, a religião é uma profissão de fé débil e molesta. “Mas Contigo está o perdão, para que sejas temido.” (Salmo 130:4). Esta é a ordem divina. Não primeiramente temer a Deus e depois ser perdoado; pelo contrário, primeiro ser perdoado e então temer a Deus.

(extraído de NO CAMINHO DE JESUS)

sábado, 30 de agosto de 2014

ASSADO NO FOGO OU COZIDO NO LEITE




“...Não cozinhareis o cabrito no leite de sua mãe” (Deuteronômio 14:21)
         Caro leitor, tomemos essa frase que parece ser tão insignificante e sem qualquer utilidade. Recusemos pensar assim no tocante a Palavra de Deus, pois ela é toda pura. Toquemos nesse verso e veremos que é puro ouro da revelação, por isso é tão precioso e prático para nossas vidas. Não esqueçamos que precisamos tomar a luz do Novo Testamento, especialmente da sublime pessoa do Filho de Deus e buscar esclarecimentos daquilo que parece ser tão difícil à nossa pobre compreensão da linguagem usada pelo Espírito Santo. Veja caro leitor que ordenança temos no que tange ao Cordeiro de Deus. Notamos o quanto os homens sempre quiseram tomar o cabrito e cosê-lo no leite da sua mãe. Eles lutam por ter um “cabrito” cozido no leite materno, de que maneira?
         Fazem isso porque não querem o Cordeiro da cruz; não O querem assado no fogo da ira de Deus, a fim de ser o substituto do povo eleito. Querem um Cristo morto nos moldes humanos; um “cabrito” mais humanizado, mas morto sim, no leite materno, porque sendo um defunto então subsistirá a mãe e não o cabrito. E assim eles continuarão em seus caminhos de idolatria celebrando o “cabrito” conforme suas paixões religiosas.
         Pedro queria um cabrito cozido no leite da mãe, quando tentou desviá-lo do rumo certo – a cruz: “...Senhor, tem compaixão de ti. Isso nunca acontecerá” (Mateus 16:22). Até mesmo nos meios evangélicos manifestam em nossos dias esse “cabrito” segundo as emoções insanas dos homens. Nada querem da mensagem da cruz! Nada querem do Cordeiro puro e sem mácula, que veio do céu para lidar definitivamente com nossos miseráveis pecados.
         Tentaram em tudo puxar o “cabrito” para o leite de Sua mãe: “...Tua mãe e teus irmãos estão lá fora, e querem ver-te”, mas eis que imediatamente o Cordeiro puro recusou deixar os Seus que estavam reunidos para ouvir a Palavra: “...Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a executam” (Lucas 8:19,20). O forte o humanismo age assim, fica do lado de fora tentando mostrar que a necessidade de Cristo está lá fora; a humanidade precisa de um “cabrito” de todos; que simpatize com todos e que declare que todos são de Deus e que veio para aceitar todos.
         João Batista recusou veementemente expor um “cabrito” cozido no leite materno. Sua mensagem foi resoluta e definida perante todos: “Eis o Cordeiro de Deus...!” (João 1:29). Qualquer mensagem fora dessa verdade é de extremo perigo e é letal às almas. Caro leitor vemos como o programa desse novo evangelho fornece o “cabrito assado no leite da mãe”. É triste ver isso. Mas a verdade é que vemos isso nos púlpitos, porque pastores infiéis querem agradar a multidão, por isso lhes apresenta esse “cabrito” segundo os seus gostos. Vemos isso também no que eles chamam de louvor. O que aparece é uma mensagem melosa e carregada das paixões carnais, a fim de promover seus desejos carnavalescos e se sentirem bem.
         A mensagem do evangelho proclama em alto som o fato que o “cabrito” foi, por assim dizer, assado pelo brasume da ira de Deus ali na cruz. Somos chamados a participar dessa velha história e alegrar nessa tão gloriosa e eterna redenção! Glória ao Cordeiro de Deus!

NO VALE COM DEUS




“... Levanta-te e sai para o vale, onde falarei contigo. Levantei-me e saí para o vale, e eis que a glória do Senhor estava ali...” (Ezequiel 3:22,23).
        Talvez imaginemos os profetas como homens que jamais experimentaram dificuldades no viver, pelo fato que eram homens comissionados por Deus e que viviam assim debaixo dos cuidados de Deus. Debaixo da proteção de Deus sim, mas livre das perturbações que este mundo traz, jamais! Ezequiel foi o profeta dos contrastes. Num momento podia vislumbrar a glória do Senhor, mas noutro momento já estava mergulhado em tristezas ao ver as desolações no meio do seu povo ocasionadas pelo exílio e mortandades em Jerusalém.
        Na passagem lida vemos para onde o profeta foi levado, para um vale. O vale é exatamente o contrário dos montes. Que notícias tristes o profeta teve ali! “Porque, ó filho do homem, eis que porão cordas sobre ti e te ligarão com elas; e não sairás do meio deles”. Quanto sofrimento teria aquele servo do Senhor para cumprir fielmente o ministério que lhe fora dado.
        Mas foi no vale que o mais importante aconteceu: “Eis que a glória do Senhor estava ali...”. Tem algo mais importante do que isso? Ali embaixo, não lá em cima; ali no lugar de desolação, não no cume do monte da felicidade; sim, ali mesmo, no lugar onde só se espera abatimentos e tristezas, A GLÓRIA DO SENHOR ESTAVA ALI.
        Queridos irmãos, eis aí a grande e preciosa lição que o mesmo Senhor o Deus de Ezequiel, o grande Emanuel, Deus conosco, nos mostra para nosso bem. Quantos santos agora estão passando pelo vale de tristeza e dor, de desamparo e aflição! Nosso Senhor afirmou que neste mundo teríamos exatamente isso que santos passaram e que passam hoje. Mas é no Vale que os santos de Deus podem conhecer o quanto são fracos e que precisam da glória de Deus e do Deus da Glória. O que somos neste mundo? O que este mundo pode nos dá?  Somente aflições e nada mais.
        É no vale que também podemos conhecer o privilégio que o mundo jamais poderá ter, porquanto está separado da glória de Deus (Rm. 3:23). É no vale que conhecemos nossa miséria e fracasso, e que somos o que somos pela sobreexcelente graça. É no vale que somos erguidos do nosso fracasso e penúria para as alturas do prazer da vida cristã e da genuína liberdade dos filhos de Deus. Sim, é o vale, mas o vale sempre antecede o monte. Deus não pretende nos acorrentar no vale, mas sim tirar os grilhões que nos prendem aqui a fim de nos erguer para nosso triunfo eternal.
        Está passando pelo vale? Pode ter certeza irmão, que a GLÓRIA DO SENHOR ESTÁ ALI!