Sermão de
Jonathan Edwards
“Mas temos confiança e desejamos, antes, deixar
este corpo, para habitar com o Senhor.” (2Coríntios 5:8)
Agora, como execução veemente
desta exortação, eu tiraria lições proveitosas dessa dispensação aflitiva da
providência santa de Deus, que é a ocasião de nossa reunião neste momento — a
morte do eminente servo de Jesus Cristo, cujo enterro deve ser cuidado neste
dia, juntamente com o que era observável nele, na vida e na morte.
Nesta
dispensação da providência, Deus nos faz lembrar da nossa mortalidade e nos
avisa que o tempo está próximo, quando então estaremos “ausentes do corpo” e
“devemos comparecer”, como o apóstolo observa dois versículos mais à frente no
texto: “Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que
cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal” (2Co
5:10).
Nele,
cuja morte somos chamados a considerar e tirar lições proveitosas, temos não só
uma instância de mortalidade, mas também, como possuímos toda razão imaginável
para concluir, uma instância de alguém que, estando ausente do corpo, está
presente com o Senhor. Disto ficaremos convencidos se considerarmos a natureza
da experiência na ocasião de sua conversão, a natureza e curso dos exercícios
interiores a partir daquela data, sua conversação exterior e prática de vida,
ou a estrutura e comportamento durante todo o longo tempo em que ele encarou a
morte frente a frente.
Suas
convicções de pecado que precedem suas primeiras consolações em Cristo, como
consta num relato escrito que ele deixou dos exercícios e experiências
interiores, eram sumamente profundas e completas. Suas dificuldades e tristezas
que surgem de um senso de culpa e miséria eram muito grandes e continuamente
longas, mas, não obstante, sãs e racionais, não consistindo em pavores
instáveis, violentos e irresponsáveis e perturbações da mente; mas surgindo das
mais sérias considerações e de uma iluminação clara da consciência para
discernir e considerar o verdadeiro estado das coisas. A luz entrou em sua
mente na conversão, e as influências e exercícios para os quais sua mente foi
sujeita naquele momento mostram-se muito agradáveis à razão e ao Evangelho de
Jesus Cristo. A mudança foi muito grande e notável, contudo sem a aparência de
impressões fortes na imaginação, de voos súbitos de afetos ou de emoções
veementes da natureza animal. Isso foi assistido com visões justas da suprema
glória do Ser divino, consistindo na dignidade e beleza infinitas das
perfeições da sua natureza e da excelência transcendente do caminho de salvação
por Cristo Jesus. Isto sucedeu cerca de oito anos atrás, quando ele tinha vinte
e um anos de idade.
Deus
santificou e formou para seu uso este vaso, que Ele designou fazer
eminentemente um vaso de honra na sua casa e o qual fizera de grande
capacidade, dotando-o de habilidades e dons naturais muito incomuns. Ele era
instância singular de uma invenção pronta, eloquência natural, expressão
fluente, apreensão vivaz, discernimento rápido, memória forte, gênio
penetrante, pensamento profundo e claro e juízo perspicaz. Ele tinha um
discernimento exato; sua compreensão era, se posso expressá-la, de um faro
rápido, forte e distintivo; sua aprendizagem era muito considerável. Ele tinha
grande gosto em aprender e se aplicava aos estudos de maneira tão íntima quando
estava na faculdade, que muito lhe prejudicou a saúde e foi obrigado, por conta
disso, durante algum tempo, a deixar a faculdade, desistir de seus estudos e
voltar para casa. Ele era reputado alguém que excedia em aprendizagem naquela
sociedade.
Ele
tinha conhecimento extraordinário das pessoas, como também das coisas, e
perspicácia incomum da natureza humana. Excedia muitos que já conheci no poder
de comunicar os pensamentos e tinha talento peculiar de acomodar-se às
capacidades, temperamentos e circunstâncias daqueles a quem instruía ou
aconselhava.
Ele
tinha dons extraordinários para o púlpito. Nunca tive oportunidade de ouvi-lo
pregar, mas muitas vezes o ouvi orar. Acho que sua maneira de se dirigir a Deus
e de se expressar diante Dele era quase inimitável, fato que raramente vi
igual. Ele se exprimia com propriedade e pertinência exatas em expressões
significantes, fluentes e pungentes, com tamanha demonstração de sinceridade,
reverência e solenidade, e tão grande distância de toda afetação, quanto a
esquecer a presença da audiência e estar na presença imediata de um grande e
santo Deus, que poucas vezes vi paralelo. Seu modo de pregar, sobre o qual
muitas vezes ouvi bons juízes referirem-se, era não menos excelente, sendo
claro, instrutivo, natural, vigoroso, comovente, penetrante e convincente. Ele
repugnava o ruído afetado e a impetuosidade violenta no púlpito, e contudo
tinha grande aversão de uma entrega tediosa e fria, quando o assunto requeria
afeição e avidez. Suas experiências das influências santas do Espírito de Deus
foram grandes não só primeiramente na conversão, mas também continuaram assim
num curso permanente. Este fato evidencia-se num diário que ele mantinha de
seus exercícios interiores desde o tempo em que se converteu até o momento em
que ficou incapacitado pela queda de forças poucos dias antes de morrer. A
mudança que ele estimava como sua conversão foi não só uma grande mudança de
suas visões, afetos e estrutura de pensamento, mas, evidentemente, o começo
dessa obra de Deus no seu coração, que Deus continuou fazendo de maneira muito
maravilhosa desde aquele tempo até o dia em que morreu.
Assim
como seu aspecto interior mostrou-se ser do tipo certo e era muito notável quanto
ao grau, seu comportamento e prática externas eram igualmente agradáveis. Em
toda a sua trajetória, ele agiu como alguém que tinha vendido tudo por Cristo,
dedicado-se completamente a Deus, feito a glória Dele o seu mais alto fim e
estava determinado a gastar todo o tempo e força neste propósito. Ele era ativo
na religião da maneira certa, não meramente ou principalmente em sua língua,
para professá-la e falar dela, mas ativo na obra e matéria da religião. Ele não
era um daqueles que procuram esquivar-se da cruz para alcançar o céu na
indulgência da facilidade e indolência. São provavelmente sem paralelo hoje em
dia nesta parte do mundo sua vida de labor e abnegação, os sacrifícios que fez
e a prontidão e constância com que despendeu suas forças e todo o seu ser para
promover a glória do Redentor. Muito disso pode ser percebido por aquele que lê
seu jornal impresso, porem muito mais se aprendeu através de longas e estreitas
relações com ele e examinando o diário desde sua morte, o qual ele de propósito
escondeu no que publicou.
Não
menos extraordinário era sua constante tranquilidade, paz, certeza e alegria em
Deus, durante o longo tempo em que olhava a morte face a face sem a menor
esperança de recuperação, continuando sem interrupção até os últimos momentos
em que a enfermidade muito sensivelmente atacava dia a dia seus órgãos vitais e
muitas vezes o levava ao estado no qual ele se considerava — e outros também —
estar morrendo. Os pensamentos da aproximação da morte nunca pareciam ao menos
desalentá-lo, mas antes o encorajavam e divertiam-lhe o humor. Quanto mais
perto a morte chegava, mais desejoso ele parecia de morrer. Pouco tempo antes
de morrer, ele disse que “a consideração do dia da morte e o Dia do Juízo há
muito tinha[lhe] sido peculiarmente doce.”
Ele parecia ter extraordinários
exercícios de resignação à vontade de Deus. Certa vez, ele me contou que “Tinha
ansiado pelo derramamento do Espírito Santo de Deus e pelos tempos gloriosos da
Igreja e esperado a sua proximidade; e desejaria viver para promover a religião
nesta época, se essa tivesse sido a vontade de Deus.” “Mas”, disse ele, “estou
propenso que as coisas sejam como são; nem por dez mil mundos eu não teria a
escolha de fazer sozinho.”
Com frequência ele falava dos
diferentes tipos de vontade de morrer, e mencionava como algo ignóbil e vil a
vontade de morrer, por estar propenso a morrer só para se livrar da dor, ou ir
para o céu a fim de receber honra e promoção. Seu desejo da morte parecia ser
de um tipo totalmente diferente e para fins mais nobres. Quando foi tomado pela
primeira vez com um dos últimos e mais fatais sintomas da doença, ele disse:
“Agora o tempo glorioso está chegando! Almejei servir a Deus perfeitamente e
Deus satisfará esse desejo.” Uma vez ou outra na fase final de sua enfermidade,
ele articulou estas expressões: “Meu céu é agradar a Deus, glorificá-lo, dar
tudo a Ele e ser dedicado completamente à sua glória. Este é o céu que desejo,
esta é a minha religião, esta é a minha felicidade e sempre foi, desde que
supus ter a verdadeira religião. Todos os que são dessa religião me encontrarão
no céu.” “Eu não vou para o céu para ser promovido, mas para dar honra a Deus.
É de pouca importância onde serei posicionado no céu, se tenho um assento alto
ou baixo, mas vou amar, agradar e glorificar a Deus. Se eu tivesse mil almas,
se elas valessem algo, eu as daria todas a Deus. Mas não tenho nada a oferecer
quando tudo terminar.”
Depois
que seu estado o deixou tão prostrado que já não tinha a menor esperança de
recuperação, sua mente vislumbrou o futuro com zelosa preocupação pela
prosperidade da Igreja de Deus na terra. É mais do que evidente que isto é
proveniente de um amor puro e desinteressado de Cristo e um desejo de sua
glória. A prosperidade de Sião era um tema no qual ele se demorava muito e do
qual muito falava, e cada vez mais assim que a morte se aproximava dele. Quando
estava perto do fim, ele me contou que nunca, em toda a vida, teve a mente
induzida a desejos e orações sérias pelo florescimento do Reino de Cristo na terra,
quanto desde que ficou extremamente prostrado em Boston. Ele parecia se
perguntar por que os ministros e as pessoas não manifestavam mais a disposição
de orar pelo desenvolvimento da religião por todo o mundo.
Mas pouco antes de morrer, ele me
contou quando entrei no quarto: “Meus pensamentos estavam no querido velho
tema: a prosperidade da Igreja de Deus na terra. Enquanto eu acordava, fui
levado a chorar pelo derramamento do Espírito de Deus e o progresso do Reino de
Cristo, pelo qual o querido Redentor morreu e tanto sofreu. É sobretudo isso
que me faz desejar muito a prosperidade da Igreja de Deus na terra.”
Alguns
dias antes de morrer, ele quis que cantássemos um salmo relacionado à
prosperidade de Sião, que ele denotou ter engajado seus pensamentos e desejos
acima de todas as coisas. A seu pedido, cantamos parte do Salmo 102. Quando
terminamos, embora estivesse tão prostrado que mal podia falar, ele se esforçou
e fez uma oração, muito audivelmente, na qual, além de pedir pelos presentes e
pela própria congregação, orou solicitamente pelo avivamento e florescimento da
religião no mundo. Sua congregação tem lugar especial em seu coração. Era
frequente ele falar dela e, quando o fazia. era com ternura peculiar, de forma
que sua fala era interrompida e afogada em lágrimas.
Assim,
propus-me a representar algo do caráter e comportamento deste excelente servo
de Cristo, cujo sepultamento deve ser cuidado agora. Embora o tenha feito muito
imperfeitamente, contudo empreendi fazê-lo com fidelidade e como na presença e
temor de Deus, sem lisonja, o que seguramente deve ser de nenhum valor aos
ministros do Evangelho, quando falam “como mensageiros do Senhor dos
Exércitos.” Tal razão temos de satisfazer para que a pessoa de quem tenho
falado, agora “ausente do corpo”, está “presente com o Senhor”, não apenas
isso, mas também com ele está uma coroa de glória de brilho distinto.
Quanto
há na consideração de tal exemplo e de tão abençoado fim para encorajar os que
ainda estamos vivos com a maior diligência e seriedade, a fim de que tiremos
lições proveitosas do tempo de vida e também possamos ir estar com Cristo
quando deixarmos este corpo! O tempo está chegando e logo virá, não sabemos
quão próximo está, quando teremos de nos despedir eternamente de todas as coisas
deste mundo para entrarmos num estado permanente e inalterável no mundo eterno.
Quanto vale a pena laborarmos, sofrermos e negarmos a nós mesmos para
guardarmos um bom fundamento de sustentação e provisão contra esse tempo! Quão
preciosa é essa paz, quando ouvimos falar que vale a pena tais momentos! Quão
escuro seria estarmos em tais circunstâncias, sob as aflições externas de uma
estrutura consumada e dissolvente, e encarando a morte a cada dia, com corações
imundos e pecados não perdoados, sob uma carga terrível de culpa e ira divina,
tendo muita tristeza e raiva em nossa enfermidade, e nada para consolar e
apoiar nossa mente, nada diante de nós senão um iminente comparecimento perante
o tribunal de um Deus Todo-poderoso e infinitamente santo e irado, e uma
eternidade para sofrermos sua ira sem piedade ou misericórdia! A pessoa de quem
estamos falando tinha um grande senso desta realidade. Ele afirmou, não muito
tempo antes de morrer: “Me e doce pensar na eternidade. Sua infinidade a torna
doce. Mas, o que direi quanto à eternidade dos ímpios? Não posso mencionar, nem
pensar! O pensamento é muito terrível!” Em outro momento, falando de um coração
dedicado a Deus e sua glória, ele disse: “Quanto é importante ter tal estrutura
de mente, tal coração como esse, quando vamos morrer! É isso que me dá paz
agora.”
Quanto
há, em particular, nas coisas que foram observadas deste eminente ministro de
Cristo para nos impelir — os que somos chamados para a mesma e grande obra do
ministério do Evangelho — ao cuidado e esforços diligentes, a fim de que da
mesma maneira sejamos fiéis em nosso trabalho, como também cheios do mesmo
espírito, animados com a mesma chama pura e ardente do amor a Deus e tenhamos o
mesmo interesse sério pela promoção do Reino e glória de nosso Senhor e Mestre
e da prosperidade de Sião! Estes princípios o tornaram muitíssimo amado na vida
e muito bem-aventurado no seu fim!
Que
as coisas que foram vistas e ouvidas sobre esta pessoa extraordinária — a
santidade, consagração, trabalho duro e abnegação de vida; sua tão excepcional
devoção de si e do seu tudo, no coração e na prática, para a glória de Deus; e
a maravilhosa estrutura de pensamento manifestada de maneira tão firme sob a
expectativa da morte e com dores e agonias que a acompanharam. Que isso nos
encoraje a todos nós, ministros e povo, a um senso adequado da grandeza da obra
que temos de fazer no mundo, da excelência e afabilidade da religião total na
experiência e na prática, da bem-aventurança do fim daqueles cuja morte encerra
tal vida e do valor infinito da recompensa eterna, quando “ausente do corpo e
presente com o Senhor'; e efetivamente nos leve a empenhos constantes e
eficazes que, à semelhança de tal vida santa, entremos afinal para tão
bem-aventurado fim! Amém.
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