domingo, 16 de setembro de 2012

JOB E OS SEUS AMIGOS (8)




C. H. Mackintosh
O ACERTADO MINISTÉRIO DO ELIÚ
         “Então aqueles três homens cessaram de responder a Jó; porque era justo aos seus próprios olhos. E acendeu-se a ira de Eliú, filho de Baraquel, o buzita, da família de Ram: contra Jó se acendeu a sua ira, porque se justificava a si mesmo, mais do que a Deus. Também a sua ira se acendeu contra os seus três amigos: porque, não achando que responder, todavia condenavam a Jó” (Jó 32:1-2 ).
         Eliú, com uma lucidez e um vigor extraordinários, vai ao nó do problema em cada uma das partes. Resume, em duas breves sentenças, as extensas discussões que abarcaram 29 capítulos. Jó justificava-se a si mesmo em vez de justificar a Deus; os seus amigos, por outro lado, tinham-no condenado em vez de guiá-lo ao ajuizamento de si mesmo.
         É de transcendental importância moral ver que quando nos justificamos a nós mesmos, condenamos a Deus; enquanto que, quando nos condenamos, justificamo-lo a Ele. “A sabedoria é justificada por todos os seus filhos” (Lucas 7:35). Esta é uma grande verdade. O coração realmente contrito e quebrantado reivindicará a Deus custe o que custar. “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado nas tuas palavras, e venças quando fores julgado” (Romanos 3:4). Deus, finalmente, haverá de ficar vitorioso; e dar-Lhe a primazia agora, é o caminho da verdadeira sabedoria. Assim que a alma é humilhada mediante o reto juízo de si mesma, Deus, com toda a majestade da Sua graça, apresenta-se ante ela como Justificador. Mas enquanto sejamos governados por um espírito de justificação própria e de auto-satisfação, desconheceremos por completo a sublime bem-aventurança do homem a quem Deus imputa justiça sem obras. A maior insensatez da qual alguém pode ser culpado é a de justificar-se a si mesmo; já que Deus, em tal caso, terá que lhe imputar pecado. Mas a verdadeira sabedoria consiste em condenar-se totalmente a si mesmo; pois, desse modo, Deus se torna Justificador.         
         Mas Jó ainda não tinha aprendido a caminhar por esta senda maravilhosa e bendita. Ainda estava revestido da sua própria justiça. Ainda achava plena complacência em si mesmo. Por isso Eliú se acendeu em ira contra ele. A ira haverá de cair certamente sobre a própria justiça. Não poderia ser de outra maneira. O único terreno legítimo para o pecador é o de um sincero arrependimento. Ali não encontra mais que a pura e preciosa graça que reina “pela justiça mediante Jesus Cristo, Senhor nosso”. Nela permanece incomovível para sempre. À própria justiça não a espera outra coisa senão a ira; mas ao eu julgado, só a graça.
         Querido leitor, recorde isto. Detenha-se uns instantes e considere. Em que terreno se encontra você? Tem-se inclinado ante Deus com um verdadeiro arrependimento? Julgou-se seriamente alguma vez na Sua Santa presença? Ou encontra-se no terreno da sua própria justiça, de sua justificação pessoal e da sua auto-satisfação? Rogamos-lhe encarecidamente que sopese estas solenes pergunta. Não as despreze. O nosso desejo é chegar ao coração e à consciência do leitor.
         Não apontamos meramente para o seu entendimento, para a sua mente ou para o seu intelecto. Sem dúvida, é bom cuidar de iluminar o entendimento pela Palavra de Deus; mas lamentar-nos-íamos profundamente se todo o nosso trabalho tivesse que terminar ali. Há muito mais que isto. Deus quer obrar no coração, na alma, no homem interior. Quer ter-nos diante Dele no nosso estado real. De nada vale que edifiquemos sobre a nossa própria opinião; pois nada pode ser mais seguro do que o fato de que toda a nossa obra, construída com tais materiais, será demolida. O dia do Senhor estará contra todo o elogio e altivez; é sábio, pois, ocupar agora uma posição humilde e ter um coração culpado; já que, quando somos humildes, apreciamos com a maior claridade a Deus e à Sua salvação. Que o leitor penetre, com o poder do Espírito, na realidade de todas estas coisas! Que todos recordemos que Deus se deleita em ver um espírito contrito e quebrantado, e que Ele sempre acha a Sua morada com os tais, mas ao altivo olha de longe!
         Portanto, podemos entender por que a ira de Eliú se acende contra Jó. Ele estava do lado de Deus. Job, pelo contrário, não. Não ouvimos falar de Eliú senão no capítulo 32, embora seja de todo evidente que ele tinha sido um ouvinte atento durante toda a discussão. Tinha prestado ouvidos pacientemente às duas partes, achando que ambas estavam equivocadas. Jó fez mal em tratar de defender-se; os seus amigos, em tratar de condená-lo.
         Quão frequentemente ocorre o mesmo conosco nas nossas discussões e controvérsias! Oh, que tristes manifestações são estas! Em noventa e nove por cento dos casos de disputas entre pessoas, achar-se-á o mesmo resultado que vemos entre Jó e os seus amigos. Um pouco de contrição numa das partes, ou um pouco de suavidade na outra, contribuiriam de forma significativa para resolver a questão. Naturalmente que não nos referimos às situações em que se vê comprometida a verdade de Deus. Nestas últimas, alguém deve ser impetuoso, decidido e inflexível. Ceder quando está em jogo a verdade de Deus ou a glória de Cristo, não seria outra coisa que deslealdade Aquele a quem tudo devemos. Clara decisão e uma tenaz firmeza é unicamente o que nos convém sempre que se trate dos direitos Daquele bendito que, para assegurar os nossos interesses, tudo sacrificou, até a Sua própria vida.
         Que Deus nos guarde de deixar escapar uma palavra ou de escrever uma só linha que tenda a debilitar a força com que temos a verdade assegurada ou a diminuir o nosso ardor na luta pela fé que foi uma vez dada aos Santos. Oh, não, querido leitor!; este não é momento para descingir os lombos, depor os arneses nem para rebaixar a medida das normas divinas. Justamente o contrário. Nunca como hoje existiu tão urgente necessidade de ter cingidos os nossos lombos com a verdade, os pés calçados e de manter a norma dos princípios divinos em toda a sua integridade. Dizemos estas coisas com reflexão. Dizemo-las por causa dos múltiplos esforços do inimigo de nos empurrar para fora do terreno da pura verdade ao assinalar-nos as faltas daqueles que fracassaram em manter uma conduta pura. Ai, ai, ai, há fracassos, tristes e humilhantes fracassos! Não o negamos; quem se atreveria a fazê-lo? É demasiado patente, demasiado flagrante, demasiado grosseiro. O nosso coração punge-se quando pensamos nisso. O homem falha sempre e em as todas partes. A sua história, do Éden até aos nossos dias, leva a marca do fracasso. Tudo isto é inegável; mas — bendito seja o seu Nome— o fundamento de Deus está firme, e o fracasso humano não pode tocá-lo jamais. Deus é fiel. Ele conhece os seus; e todo aquele que invoca o nome de Cristo deve apartar-se da iniquidade (2Tm 2:19[5]). Não cremos — nem podemos acreditar— que para melhorar a nossa conduta devamos abater a bandeira dos princípios de Deus. Humilhemo-nos diante dos nossos fracassos; mas nunca abandonemos a preciosa verdade de Deus.
         Tudo isto é uma digressão que nos permitimos com o propósito de evitar que ao termos urgido no leitor a importância de cultivar um espírito quebrantado e dócil, este pudesse ter inferido que com isso quisemos dizer que é necessário abandonar um jota ou uma til da divina revelação. Agora retornemos ao nosso tema.

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