por Charles Haddon Spurgeon.
“Todos aqueles, pois, que são das obras da Lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei, para fazê-las.” (Gl 3:10 ACF)
Meu querido ouvinte, és crente ou não o és? Conforme respondas a esta pergunta, escolherei estilo de me dirigir a ti no dia de hoje. Eu pedir-te-ia, como um grande favor para a tua própria alma, que esta noite não penses que estás sentado numa capela, ouvindo um ministro que está pregando a uma grande congregação. Pensa que estás sentado na tua própria casa, na tua própria cadeira, e imagina que eu estou ao teu lado, com a tua mão na minha, conversando pessoalmente contigo, conversando sozinho contigo; pois, assim é, como desejo pregar hoje, a cada um dos meus ouvintes — a cada um, individualmente. Então, antes de começar, quero que tu me respondas, diante de Deus, a esta pergunta solene e de suma importância — estás em Cristo, ou, não estás? Andas fugido, procurando refúgio Nele, o Qual é a única esperança para os pecadores? Ou, és ainda um estranho para a nação de Israel, ignorante acerca de Deus e do Seu santo Evangelho? Sê honesto com o teu próprio coração, e deixa que a tua consciência responda: sim, ou não, pois a tua condição hoje, responde a uma destas duas situações: ou estás debaixo da ira de Deus, ou foste livrado dela. Tu és neste dia, um herdeiro da ira divina, ou um herdeiro do reino da graça. Qual das duas situações é a tua condição?
Na tua resposta não recorras a nenhuma das condicionantes “se” ou “mas”. Responde com sinceridade à tua própria alma; e, se tiveres alguma dúvida a esse respeito, suplico-te que não descanses até que tenhas resolvido essa dúvida. Não utilizes essa dúvida em teu proveito próprio, porém, antes pelo contrário usa-a contra ti. Podes estar seguro que é mais provável que te equivoques, em vez de estares correto; e, agora, põe-te a ti mesmo na balança, e se não inclinares completamente algum dos pratos, e ficares equilibrado entre os dois, dizendo: “Não sei qual dos dois,” é melhor que te decidas pela pior das respostas, ainda que te doa, e não que escolhas a melhor, sendo enganado, e, assim prossigas com presunção, até que o abismo do Inferno te desperte do teu próprio engano. Podes, então, com uma mão posta sobre a santa Palavra de Deus, e com a outra mão sobre o teu próprio coração, alçar os teus olhos ao Céu, e dizer: «Uma coisa sei, é que havendo eu sido cego, agora vejo; eu sei que passei da morte para a vida; já não sou o que antes fui; ‘eu sou o primeiro dos pecadores, mas Jesus morreu por mim;’ e, se eu não estiver terrivelmente enganado, hoje sou, ‘um pecador salvo pelo sangue, um monumento da graça’»? Meu Irmão, que Deus te ajude; a bênção do Altíssimo seja contigo. O meu versículo não contém trovões para ti. Em lugar deste versículo, procurai o versículo 13, e lede ali a vossa herança: “Cristo nos redimiu da maldição da Lei, feito por nós maldição (porque está escrito: Maldito todo o que é pendurado num madeiro).” Assim, Cristo foi feito maldição no teu lugar, e tu estás seguro, se realmente foste convertido, e se, na verdade, és um regenerado filho de Deus.
Meu querido ouvinte, estou solenemente convencido de que uma grande proporção desta assembleia não se atreveria a afirmá-lo; e tu hoje recorda-te (pois estou falando pessoalmente com cada um de vós), que és um desses, e não te atreves a afirmá-lo, pois és um estranho para a graça de Deus. Tu não te atreverias a mentir diante de Deus e da tua própria consciência, e, portanto, dizes honestamente: “Eu sei que nunca fui regenerado; sou agora o que sempre fui, e isso é o tudo o que posso dizer.” Então, tenho de tratar contigo: Exorto-te por Ele, O qual julgará os vivos e os mortos, perante Quem tu e eu nos deveremos apresentar, que escutes as palavras que prego, pois poderá ser a última advertência que jamais ouças, e exorto também a minha própria alma: sê fiel a estes homens moribundos, para que não seja achado no fim, no sopé da montanha, o sangue das almas, e tu mesma sejas desprezada. Oh Deus, faz-nos hoje fiéis, e dá-nos o ouvido que ouça, e a memória que retenha e a consciência tocada pelo Espírito, no nome de Jesus.
Em primeiro lugar, hoje vamos julgar o prisioneiro; em segundo lugar, vamos decretar a sua sentença; e, em terceiro lugar, se nos inteirarmos que ele confessa os seus pecados e se volve penitente, vamos proclamar a sua libertação; porém, não a proclamaremos a menos que comprovemos que ele o faça.
I. Então, em primeiro lugar, estamos para JULGAR O PRISIONEIRO.
O versículo diz: “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da Lei, para fazê-las.” Homem não convertido, és culpado ou não és culpado? Tens permanecido “em todas as coisas escritas no livro da Lei, para fazê-las”? Parece-me que não te atreverias a declarar-te: “inocente.” Mas, vou supor, por um momento, que és suficientemente audaz para fazê-lo. Assim, então, meu amigo, queres sustentar que permaneceste “em todas as coisas escritas no livro da Lei.” Decerto a simples leitura da Lei deveria ser suficiente para te convencer que estás completamente equivocado. Acaso sabes o que é a Lei? Vamos, vou dar-te o que poderia chamar-se uma pincelada exterior da Lei, mas recorda que dentro dela há um espírito mais profundo, não expressado por simples palavras.
Escuta estas palavras da Lei: “Não terás deuses alheios diante de mim.” O quê! Não amaste jamais alguma outra coisa mais do que Deus? Nunca fizeste um Deus do teu ventre, ou do teu negócio, ou do tua família, ou da tua própria pessoa? Oh!, certamente não te atreverias a dizer que és inocente nisto. “Não farás imagem, nem nenhuma semelhança do que esteja em cima no céu, nem abaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” O quê! Nunca na tua vida puseste algo em lugar de Deus? Se tu não o tens feito, eu sim, e muitas vezes. E eu sei que se a tua consciência falasse com sinceridade, dir-te-ia: “Homem, tu tens sido um adorador das riquezas, tu tens sido um adorador do ventre, tens-te inclinado diante do ouro e da prata; tens-te prostrado diante da honra, tens-te inclinado perante o prazer, tens feito deus da tua bebedeira, um deus da tua concupiscência, um deus da tua imundície, um deus dos teus prazeres!” Atrever-te-ias a dizer que jamais tomaste o nome de Jeová, teu Deus, em vão? Se nunca juraste profanamente, provavelmente na conversação comum, tens feito uso algumas vezes do nome de Deus, quando não deverias havê-lo feito. Responde: Santificaste sempre esse santíssimo nome? Nunca nomeaste Deus sem necessidade? Acaso nunca leste o Seu livro com um espírito frívolo? Nunca ouviste o Seu Evangelho sem a devida reverência? Provavelmente és culpado disto. E quanto ao quarto mandamento, relativo a guardar o dia de repouso: “Lembra-te do dia de repouso para santificá-lo.” Alguma vez o quebrantaste? Oh, cala a boca e confessa-te culpado, pois estes quatro mandamentos seriam suficientes para te condenar!
“Honra a teu pai e a tua mãe.” Dir-me-ás que guardaste esse mandamento? Acaso nunca foste desobediente na tua juventude? Nunca espezinhaste o amor da tua mãe, e nunca pugnaste com as chamadas de atenção, do teu pai? Passa as páginas da tua história até chegares à tua infância: vê se não podes comprovar que já está escrito ali; ai, e a tua maturidade poderia confessar que nem sempre falaste a teus pais como devias, e nem sempre os trataste com essa honra que mereciam, e que Deus te mandou que lha desses. “Não matarás”; talvez não tenhas matado a ninguém alguma vez, porém, por acaso, nunca te irritaste? Qualquer que se irrita contra o seu irmão é um assassino; tu és culpado nisto. “Não cometerás adultério.” Talvez tenhas realizado atos imundos e neste preciso dia estás manchado de lascívia; mas, se tiveres sido muito casto, estou seguro que não estás isento de culpa, quando o Senhor diz: “Qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.” Acaso nenhum pensamento lascivo tem atravessado pela tua mente? Acaso nenhuma impureza tem sacudido a tua imaginação? De certeza que se te atrevesses a afirmá-lo, serias um desavergonhado impudico. E, por acaso, nunca roubaste? “Não furtarás”: talvez estejas hoje aqui, no meio da multidão, com o produto do teu roubo; cometeste esse ato; perpetraste um roubo; mas, se tens sido muito honesto, houve momentos nos quais hás sentido uma inclinação a defraudar o teu vizinho, até poderão ter existido algumas pequenas fraudes, ou talvez algumas mais graves que cometeste secreta e silenciosamente, nas quais a Lei civil não te pôde lançar a mão, mas, que, não obstante, foram um quebrantamento desta Lei. E, quem se atreveria a afirmar que nunca prestou falso testemunho contra o seu próximo? Acaso, nunca repetimos alguma vez, alguma história que tenha sido em detrimento do nosso vizinho e que era falsa? Acaso, alguma vez interpretamos mal os seus motivos? Acaso nunca entendemos sinistramente os seus planos? E, quem de nós se atreveria a dizer que é inocente do último mandamento: “Não cobiçarás”? Pois todos desejamos ter mais do que Deus nos deu; e, às vezes, o nosso coração extraviado cobiçou coisas que o Senhor não nos concedeu. Vamos, se nos declararmos inocentes, estaríamos anunciando a nossa própria insensatez; pois, na verdade, meus irmãos, a simples leitura da Lei é suficiente, se somos abençoados pelo Espírito, para conduzir-nos a declarar-nos: “Culpados, oh Senhor, culpados.”
Mas, alguém exclama: “Eu não me declararei culpado, pois ainda que esteja muito consciente de que não permaneci ‘em todas as coisas escritas no livro da Lei’, fiz o melhor que pude.” Essa é uma mentira; diante de Deus é uma falsidade. Não o tens feito! Não tens feito o melhor que podias. Houve muitas ocasiões nas quais poderias ter realizado um esforço melhor. Acaso, aquele jovem que está acolá, atrever-se-ia a dizer-me que está fazendo agora o melhor que pode? Que não pode reprimir a sua risada na casa de Deus? É possível que seja difícil para ele que o faça, mas é possível que poderia, se quisesse, refrear-se de insultar o seu Criador, na Sua cara. De certo, nenhum de nós tem feito o melhor que podia. Em cada período, em cada momento, houve oportunidades de escapar da tentação. Se não tivéssemos tido nenhuma liberdade de escapar do pecado, poderia haver alguma desculpa por ele; contudo, houve pontos decisivos na nossa história quando teríamos podido decidir pelo correto ou o incorreto, mas temos feito o mal e evitamos o bem, e dirigimo-nos a esse caminho que conduz ao Inferno.
“Ah, mas eu declaro, senhor,” diz outro, “que embora seja certo que tenho quebrantado essa Lei, sem dúvida alguma, não fui pior do que os meus semelhantes.” E, por certo, esse é um argumento muito triste, pois de que te serve? Seres condenado em grupo, não te serve de mais consolo, do que se tu fores condenado sozinho. É certo que não foste pior do que os teus semelhantes, porém, isto não te servirá de nada. Quando os ímpios forem atirados para o Inferno, será de muito pouco consolo para ti que Deus diga: “Apartai-vos de mim, malditos” a mil pessoas juntamente contigo. Recorda que a maldição de Deus, quando arraste uma nação ao Inferno, será sentida por cada indivíduo da multidão de igual maneira como se o castigo fosse para um só indivíduo. Deus não é como os nossos juízes terrestres. Se os vossos tribunais estivessem saturados de prisioneiros, poderiam sentir-se inclinados a tratar levianamente muitos casos. Mas, com Jeová não acontece o mesmo. Ele é tão infinito na Sua mente, que a abundância de criminosos não será uma dificuldade para Ele. Tratará contigo com a mesma severidade e justiça como se não houvesse nenhum outro pecador em todo mundo.
E eu pergunto-te: o que tens tu que ver com os pecados de outros homens? Tu não és responsável por eles. Deus determinou que tu te sustentarias ou cairias por ti mesmo. De acordo com as tuas próprias ações serás julgado. O pecado da rameira pode ser mais grave do que o teu, porém, tu não serás condenado pelas suas iniquidades. A culpa do assassino pode ultrapassar em muito as tuas transgressões, porém, tu não serás condenado pelo assassino. Oh, homem, a religião é algo entre Deus e a tua própria alma; e, portanto, imploro-te que não olhes para o coração do teu vizinho, mas para o teu próprio coração.
“Ai,” exclama alguém, “Mas eu esforcei-me, muitas vezes, para guardar a Lei, e penso que o logrei por algum tempo.” Escuta outra vez a leitura do versículo: “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da Lei, para as fazer.” Oh, senhores!, não é algum rubor febril nas faces que brota por uma irresolução doentia, o que Deus reconhece como a saúde da obediência. Não se trata de uma ligeira obediência durante uma hora, o que Deus aceitará no dia do juízo. Ele usa a palavra “permanecer;” e, a menos que, desde a minha mais temporã infância, até ao dia em que os meus cabelos brancos desçam à sepultura, tenha permanecido em obediência a Deus, deverei ser condenado. A menos que tenha servido obedientemente a Deus, desde o primeiro despertar da razão, quando comecei a ser responsável, até que, como um arbusto de trigo, seja juntado no celeiro do meu Senhor, a salvação pelas obras será impossível para mim, e eu serei condenado se estou apoiado no meu próprio fundamento. Não é, afirmo-o, alguma flutuante obediência o que salvará a alma. Tu não permaneceste “em todas as coisas escritas no livro da Lei,” e, portanto, estás condenado.
“Mas,” dirá outro, “Há muitas coisas que eu não tenho feito, mas apesar de tudo, tenho sido muito virtuoso.” Essa, também, é uma pobre desculpa. Supõe que tens sido virtuoso; supõe que tens evitado muitos vícios: lê o meu versículo. Não é minha a palavra, mas a palavra de Deus, lê-o: “Todas as coisas.” Não diz: “Algumas coisas.” “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da Lei, para as fazer.” Agora, tens posto em prática todas as virtudes? Tens-te apartado de todos os vícios? Podes pôr-te de pé e declarar: “Nunca fui um bêbado”? Entretanto, serás condenado, se tiveres sido um fornicador. Respondes acaso: “Nunca fui imundo”? Entretanto, quebrantaste o dia de repouso. Declaras-te culpado desse cargo? Acaso declaras que nunca quebrantaste o dia de repouso? Tu tomaste o nome de Deus em vão, não é verdade? Em alguma parte ou em outra, a Lei de Deus pode ferir-te. É certo (deixa agora que fale à tua consciência e afirme o que eu assevero), é certo que não permaneceste “Em todas as coisas escritas no livro da Lei.” E mais, estou convencido de que não permaneceste plenamente em nenhum mandamento de Deus, pois o mandamento é extremamente amplo. Não é o ato patente, simplesmente, o que condenará um homem; é o pensamento, a imaginação, a concepção do pecado, os que bastam para arruinar a alma. Recordai, meus queridos ouvintes, que estou pregando agora a própria palavra de Deus, não uma rigorosa doutrina da minha propriedade. Se nunca tivésseis cometido um só ato de pecado, o mero pensamento de pecado, a simples imaginação do pecado bastariam para arrastar a alma para o Inferno para sempre.
Se tivesses nascido numa cela, e não tivesses podido sair nunca para o mundo, para cometer atos de lascívia, de assassinato ou de roubo, bastaria o pensamento do mal nessa cela solitária, para apartar a tua alma para sempre do rosto de Deus. Oh!, não há ninguém aqui que possa ter a esperança de escapar. Cada um de nós deve inclinar a sua cabeça diante de Deus, e clamar: «Culpado, Senhor, culpado, cada um de nós é culpado: ‘Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da Lei, para as fazer.’» Quando olho o teu rosto, oh Lei, o meu espírito treme de horror. Quando escuto os teus trovões, o meu coração derrete-se como a cera no meio das minhas entranhas. Como poderia suportar-te? Se estiver para ser julgado no fim, pela minha vida, de certeza não necessitarei de um juiz, pois eu serei o meu próprio acusador voluntário, e a minha consciência será uma testemunha para me condenar.
Penso que não preciso de me alargar mais neste ponto. Oh, tu, que estás sem Cristo e sem Deus, não permaneces condenado diante Dele? Tira de ti todas as máscaras, e despreza todas as desculpas; que cada um de nós arremesse ao vento todas as suas vãs pretensões. A menos que contemos com o sangue e a justiça de Cristo, para que nos cubram, cada um de nós deve reconhecer que esta sentença fecha as portas do Céu na nossa cara, e unicamente nos prepara para as chamas da perdição.
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