quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"O Tesouro de David" de C. H. Spurgeon



SALMO 2

Não vamos desencaminhados no nosso sumário deste sublime Salmo se lhe chamarmos o «Salmo do Messias Príncipe», porquanto apresenta, como numa visão maravilhosa, o tumulto ou o motim dos povos que se levantam contra o Senhor ungido, contra o propósito decidido de Deus de exaltar o Seu próprio Filho e o reinado final deste Filho sobre todos os Seus inimigos. Leiamo-lo com os olhos da fé, contemplando, como num espelho, o triunfo final de nosso Senhor Jesus Cristo sobre todos os Seus inimigos.
Temos nos três primeiros versículos uma descrição do ódio da natureza humana contra o Cristo de Deus. Não se pode fazer melhor comentário sobre isso do que o cântico apostólico de Atos 4:27, 28: «Porque verdadeiramente contra o Teu santo Filho Jesus, que Tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a Tua mão e o Teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer.» C. H. S.
Vers. 1. Por que se amotinam os gentios, e os povos imaginam coisas vãs? O Salmo começa abruptamente com uma interrogação irada; e com razão: não é para menos o assombrar-se à vista das criaturas em atitude hostil contra o seu Deus, e isto é o que deixa o Salmista atónito. C. H. S.
Coisas vãs. Na Espanha há duas colunas monumentais que foram erectas no passado, nas quais se acha escrito:
I. «A Diocleciano Joviano Maximiano Hercúleo César Augusto, por ter estendido o Império Romano a este e a oeste, e por ter extinguido o nome dos cristãos, coisa esta que trouxe a ruína à República.»
II. «A Diocleciano Joviano Maximiano Hercúleo César Augusto, por ter adotado a Galerio no este, por ter abolido em toda parte a superstição de Cristo, por ter propagado o culto aos deuses.»
«Temos aqui um monumento erigido pelo paganismo sobre a tumba do seu inimigo vencido, mas nisto "o povo imaginava coisas vãs". Nem na Espanha nem em parte alguma se pode assinalar a tumba do cristianismo; "não existe, porque os vivos não têm tumbas".»
Vers. 2. Levantam-se os reis da terra. Com malícia decidida se organizaram em oposição contra Deus. Não era um alvoroço e uma fúria passageiros, mas era um ódio profundo, porque haviam resolvido de modo claro resistir ao Príncipe de Paz. C. H. S.
E os príncipes conspiram juntamente contra o SENHOR e contra o Seu Ungido. Preparam-se para a sua campanha de guerra com astúcia, não com pressas e improvisação, mas de modo sistemático e deliberado. Fazem uso de todas as artes da guerra. Como Faraó exclamam: «Tratá-los-emos com astúcia e prudência.» Tomara que os homens servissem a Deus com a metade do cuidado e da firmeza com que os seus inimigos atacam o Seu reino astutamente. Os pecadores são sagazes nisto, e os santos são lentos e torpes. C. H. S.
Por que se juntaram em armas contra o Senhor e contra o seu Ungido? Queriam derramar o Seu sangue? Sim, «fizeram conselho» – diz Mateus – «e decidiram dar lhe a morte». Tinham na sua mente o demónio, o qual não se satisfazia senão com a morte. E como o engenharam? Diz: «conspiraram juntamente contra Ele». Henry Smith.
Vers. 3. Rompamos as suas ligaduras. Sejamos livres para cometer toda a classe de abominações. Sejamos os nossos próprios deuses. Desembaracemos de todo o freio e de toda a restrição.
Tiremos de nós o Seu jugo. Há monarcas que falaram desta maneira, e ainda há alguns sentados em tronos que são deste tipo de rebeldes. Por louca que seja a resolução de rebelar-se contra Deus, o Homem, desde a criação, tem perseverado nela e nela continua até ao dia de hoje. O glorioso reinado de Jesus, nos últimos dias, não ficará consumado até que uma luta terrível tenha convulsionado as nações. Para a cerviz sem a graça, o jugo de Cristo é intolerável, mas para o pecador salvo é fácil e leve. Podemos julgar-nos a nós mesmos nisto: Amamos este jugo ou procuramos lançá-lo para longe de nós? C. H. S.
Vers. 4. Aquele que habita nos céus se rirá. Segundo a nossa capacidade, o profeta descreve a Deus, apresentando-O, e o mesmo faríamos nós neste caso, numa atitude de desprezo, burlando-nos dos vãos intentos. Ele Ri-Se, mas com desprezo. Despreza, mas com vingança. Ele permite que o Seu templo seja saqueado, que sejam profanados os santos vasos e se embebedem bebendo deles; mas, não fez o sorriso de Deus tremer a Belshazar, quando este viu a mensagem de Deus, na parede? Oh! Quão terrível há-de ser o Seu cenho, quando o Seu sorriso é tão severo! .

Aquele mora nos céus se rirá; o SENHOR se burlará deles. Esta tautologia, ou repetição da mesma coisa é um sinal de que a coisa ficou estabelecida: segundo a autoridade do patriarca José (Génesis 41:32), quando, tendo interpretado os sonhos de Faraó, disse: «E o acontecer o sonho a Faraó duas vezes, significa que a coisa é firme de parte de Deus, e que Deus se apressa a fazê-la.» E, portanto, aqui também está escrito «se rirá» e «se burlará deles». E é uma repetição para mostrar que não há qualquer dúvida possível de que estas coisas vão mesmo acontecer. Martinho LUTERO.

Vers. 5. Logo lhes falará em seu furor. Depois de Se haver rido, fala-lhes; não os fere; mas com o fôlego dos Seus lábios basta. C. H. S. E os turvará com a sua ira, seja por meio do horror na sua consciência ou por meio de pragas corporais; de uma forma ou de outra Ele lhes fará compreender bem o que Ele pensa deles, como sempre tem feito àqueles que têm perseguido o Seu povo. John TRAPP
Vers. 5, 9. É fácil para Deus destruir os Seus inimigos. Dos trinta imperadores romanos, governadores de províncias, e outras pessoas com cargos elevados que se distinguiram pelo seu zelo e malícia em perseguir os cristãos primitivos, um deles enlouqueceu, depois de cometer esta terrível crueldade; a outro, o seu próprio filho deu-lhe a morte; outro cegou; a outro saíram-lhe os olhos da cabeça; outro morreu afogado; outro, estrangulado; outro morreu no abjecto cativeiro; outro caiu morto; outro morreu de uma enfermidade asquerosa, de modo que os seus médicos tiveram de dar-lhe a morte porque não era possível resistir ao fedor que enchia a habitação; dois suicidaram-se; um terceiro tentou-o, mas teve de pedir ajuda para poder fazê-lo; cinco foram assassinados pelos seus servos ou pelos demais; cinco morreram em circunstâncias de sofrimento extremo; vários outros deles de complicações de enfermidades; e oito morreram na batalha ou depois de terem caídos prisioneiros.
Entre eles se achava Juliano, o Apóstata. Nos dias da sua prosperidade, diz-se que ameaçou com a sua espada o Céu, desafiando o Filho de Deus, a Quem chamava comummente de o «Galileu». Mas, quando foi ferido numa batalha e viu que tudo tinha terminado para ele, lançou um grumo do seu próprio sangue ao ar e exclamou: «Venceste, "Galileu".» Wm. S. PLUMBER
Vers. 6. Eu mesmo ungi o meu rei sobre Sião, o meu santo monte, apesar da vossa malícia, apesar das vossas manifestações, apesar da sabedoria dos vossos conselhos e apesar da astúcia dos vossos legisladores. Ele tem feito o que Seus inimigos tentavam impedir. Enquanto eles estavam propondo algo, Ele já tinha decidido a questão. A vontade de Jeová faz-Se, e o homem revolve-se e agita-se em vão. C. H. S.
Cristo é um Rei acima de todos os reis. O que são todos os homens poderosos, todos os grandes e todos os honrados da Terra, ao lado de Cristo Jesus? Não são mais do que uma bolha de água; porque se todas as nações, comparando-as com Deus, são como uma gota de água num cubo, ou o pó numas balanças, de que fala Isaías 40:15, que pouco hão-de ser os reis da Terra! Wm. DYER in ‘Os títulos famosos de Cristo.’
Vers. 7. Eu publicarei o decreto. Contemplando o rosto irado dos reis rebeldes, o Ungido parece dizer: «Se isto não basta para os reduzir ao silêncio, Eu publicarei o decreto. Pois bem, este decreto está em conflito direto com os planos do homem, porque o Seu desígnio é o estabelecimento do mesmo domínio contra o qual as nações estão fazendo planos.» C. H. S.
Tu és meu Filho. Esta é a nobre prova da gloriosa divindade do nosso Emanuel. Eu Te engendrei hoje. Se isto se referir à divindade de nosso Senhor, não tentemos sondá-la, porque é uma grande verdade, que tem de ser recebida com reverência, mas não tem de ser investigada com irreverência. Ao tentar definir a Trindade, ou revelar a essência da Divindade, muitos homens se perderam; aqui grandes navios hão naufragado. O que havemos de conseguir neste mar, com os nossos frágeis esquifes?
A discussão referente à filiação eterna de nosso Senhor não faz mais do que manifestar curiosidade presunçosa, não fé reverente. É um intento de explicar aquilo que é muito melhor adorar. Poderíamos dar exposições opostas deste versículo, mas não vamos fazê-lo. A controvérsia é uma das tarefas menos proveitosas em que se ocuparam as plumas dos teólogos. C. H. S.
Vers. 9. Tu os esmigalharás com uma vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro. Os que não se dobram têm de ser quebrantados. O vaso do oleiro não pode ser restaurada uma vez que tenha sido esmiuçada, e a ruína dos pecadores será sem esperança se Jesus os fere e esmiuça. C. H. S.
Vers. 10. Sede sensatos. Oh, que sabedoria infinita é a obediência a Jesus, e que espantosa é a loucura daqueles que continuam sendo Seus inimigos! C. H. S.
Vers. 11. Sirvam a Deus com temor. Temor sem gozo é tortura; e gozo, sem santo temor, seria presunção. C. H. S.
Vers. 12. Beijai o Filho para que não se ire. Judas traiu o seu Mestre com um beijo, e, contudo, Deus manda beijemos o Filho, e nisto expressa amor; aquilo de que é possível abusar-se, nem por isso tem de ser abandonado; que se possa tergiversar uma coisa não significa que tenha de ser abandonada, porém, as coisas boas que foram por alguns desviadas para usos impróprios podem ser trazidas à sua bondade primitiva. Portanto, consideremos e engrandeçamos a bondade de Deus, que nos trouxe para este ponto em que podemos beijar o Filho; e que o expressar este amor se acha nas nossas mãos.
Deus, que é amor, pode estar irado; e, então, este Deus que está irado aqui é o Filho de Deus, O Qual tem feito tanto por nós, e, portanto, está irado justamente; Ele é o nosso juiz, e, portanto, com razão temos de temer a Sua ira; e, finalmente, podemos ver como facilmente se aparta a Sua ira: basta um beijo.
Se és desprezado por amar a Cristo no Seu evangelho, recorda quando David foi olhado com desprezo porque dançava atrás da arca. «Quanto mais aflito te vejas pelos demais por causa de Cristo, maior será a paz que terás em Cristo.»
Para fazeres as pazes com o Pai terás de beijar o Filho. «Oh, se ele me beijasse com beijos da sua boca!», era a oração da igreja (Ct 1:2). Beijemo-Lo, que esta seja a nossa empresa. Na realidade, há que ser beijado pelo Filho primeiro, antes de que nós O beijemos a Ele, na nossa piedade. Senhor, concede-nos, nestes beijos mútuos e nestes abraços agora, que possamos entrar na festa das bodas plenamente mais adiante, quando o coro dos céus, inclusive as vozes dos anjos, cantarão o cântico das bodas, o epitalâmio, nas bodas da esposa do Cordeiro.
E pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira. É algo terrível perecer no meio do pecado, nos caminhos da rebelião; e, contudo, quão facilmente nos pode destruir a Sua ira subitamente! Não é necessário que a Sua ira se aquente sete vezes mais do que o ordinário; basta com que se inflame um pouco para que sejamos consumidos. Oh pecador! Vigia e teme os terrores do Senhor; «porque o nosso Deus é um fogo consumidor» C. H. S.
A ira de Deus tem de ser indescritível, se ela se acender plenamente; já que a perdição pode sobrevir se ela se acender apenas um pouco. John Newton
No primeiro Salmo vimos o malvado arrebatado como se fora moinha; no segundo vemos que é quebrantado e esmiuçado como um vaso de oleiro. No primeiro Salmo contemplamos o justo plantado como uma árvore junto a correntes de água; e aqui contemplamos a Cristo, a Cabeça Ungida dos justos, feito melhor do que uma árvore plantada junto a correntes de água, porque é feito rei de todas as ilhas, e todos os pagãos se inclinam ante Ele e beijam o pó, enquanto que Ele mesmo dá a Sua bênção a todos os que puseram a sua confiança nEle. C. H.
Tradução de Carlos António da Rocha

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