Joseph
Alleine
O diabo tem produzido muitas imitações
de conversão, iludindo as pessoas, ora com isto, ora com aquilo. Ele possui
tamanha habilidade e astúcia que, se possível fosse, enganaria até os próprios
eleitos. Agora, para que eu possa curar o erro devastador de alguns que pensam
que são convertidos quando não são, bem como remover as inquietações e os
temores de outros que pensam que não são convertidos quando na verdade o são,
mostrarei a natureza da conversão — tanto o que ela não é quanto o que ela é.
Vamos começar com o aspecto negativo.
Conversão
não é professar o cristianismo. O cristianismo é mais que um nome. Se dermos
ouvidos a Paulo, veremos que o cristianismo não se fundamenta na palavra, mas
no poder (I Coríntios 4:20). Se o fato de deixar de ser judeu ou pagão e
professar o cristianismo significasse conversão verdadeira — visto que isso é
tudo o que alguns dão a entender a respeito dela — quem poderia ser melhores
cristãos senão os de Sardo ou Laodicéa? Eram todos cristãos professos, porém
apenas de nome; e por serem cristãos só de nome, são condenados por Cristo e
ameaçados de serem rejeitados (Apocalipse 3:14-16). Quantos há que invocam o
nome do Senhor Jesus mas não se apartam da iniquidade (II Timóteo 2:19),
professando que conhecem a Deus, mas negando-O com as suas obras? (Tito 1:16).
Será que Deus vai recebê-los como verdadeiros convertidos? O quê? Convertidos
do pecado enquanto eles ainda vivem em pecado? É uma visível contradição! É
claro que se o azeite das lâmpadas da fé não houvesse faltado, as virgens
loucas jamais teriam sido impedidas de entrar (Mateus 25:12). Encontramos não
apenas cristãos professos rejeitados, mas inclusive pregadores de Cristo e
milagreiros, pois são maus obreiros (Mateus 7:22-23).
Conversão
não é revestir-se das insígnias de Cristo no batismo. Ananias, Safira e Simão
Mago foram batizados, assim como as demais pessoas. Quantos caem em erro neste
ponto, enganando e sendo enganados, imaginando que a graça eficaz está
necessariamente ligada à administração externa do batismo, de modo que toda
pessoa batizada é regenerada, não apenas por observar a ordenação, mas também
no sentido real e literal da palavra. Assim, os homens imaginam que por haverem
sido regenerados por ocasião do batismo, não necessitam de nenhuma outra obra.
Mas se fosse assim, então todos os que tivessem sido batizados seriam,
necessariamente, salvos, pois a promessa de perdão e salvação é feita em
referência à conversão e à regeneração (Atos 3:19; Mateus 19:28). E, de fato,
se a conversão e o batismo fossem idênticos, então seria conveniente que os
homens levassem um certificado do seu batismo quando morressem, e mediante a
apresentação dele não haveria dúvidas quanto à sua admissão no céu.
Em
suma, se não há nada mais a acrescentar à salvação ou à regeneração, senão o
fato da pessoa ser batizada, isto vai frontalmente contra o que dizem as
Escrituras em Mateus 7:13-14, bem como contra muitas outras passagens. Se isto
for verdade, não deveremos mais dizer: "Estreita é a porta, e apertado o
caminho", porque se todos os que são batizados são salvos, a porta é
excessivamente larga e nós, daqui em diante, deveremos dizer: "Larga é a
porta e espaçoso o caminho que conduz à vida". Se isto é verdade, milhares
podem entrar lado a lado; e nós não ensinaremos mais que os justos dificilmente
serão salvos ou que há necessidade de tanto empenho para apoderar-se do reino
dos céus pela violência e de tanto esforço para entrar nele. (I Pedro 4:18;
Mateus 11:12; Lucas 13:24). Sem dúvida alguma, se o caminho é tão fácil como
muitos supõem, ou seja, que é necessário pouco mais que simplesmente ser
batizado e clamar: "Senhor, tem misericórdia", não precisamos de nos
empenhar em buscar, bater e lutar, como requer a Palavra de Deus, a fim de
obtermos a salvação. Reafirmamos que se isto é verdadeiro, não diremos mais:
"Poucos há que a encontram"; será melhor dizermos: "Poucos a
perderão". Não diremos mais que, dos muitos que são chamados,
"somente alguns são escolhidos" (Mateus 22:14), e que, mesmo do
Israel professo, somente um remanescente será salvo (Romanos 9:27). Se esta
doutrina é verdadeira, não mais faremos coro com os discípulos: "Quem,
então, será salvo?", mas ao invés disso: "Quem, então, não será
salvo?". Assim, se alguém for batizado — mesmo que seja um fornicário, ou
escarnecedor, ou avarento, ou beberrão — herdará o reino de Deus! (I Coríntios
5:11 e 6:9-10).
Alguns
irão alegar: aqueles que pecaram depois de terem recebido a graça regeneradora
no batismo precisam ser renovados; caso contrário não poderão ser salvos. Eu
respondo: em primeiro lugar, há uma conexão infalível entre regeneração e
salvação, como já temos mostrado. Em segundo lugar, o homem precisa nascer de
novo novamente — o que é um grande absurdo. Poderíamos, do mesmo modo, supor
que o homem nascesse duas vezes fisicamente, bem como duas vezes
espiritualmente. Mas, em terceiro lugar e acima de tudo, isso garante o que eu
defendo, isto é, não importa o que os homens recebam ou aspirem receber no
batismo, se depois disso forem considerados flagrantemente ignorantes, ou
profanos, ou formais, ou destituídos de poder espiritual, "precisam nascer
de novo" (João 3:7) ou, então, ficarão fora do reino de Deus. Assim, precisam
ter mais a argumentar em seu favor do que simplesmente a regeneração batismal.
Bem,
como podem ver, nisto todos concordam, isto é, seja o que for que se receba no
batismo, se os homens não forem santificados precisam ser renovados por uma
mudança total e poderosa ou não escaparão da condenação do inferno. "Não
vos enganeis, Deus não se deixa escarnecer." Quer seja o seu batismo ou
qualquer outra coisa que aspirem, digo-lhes, da parte de Deus, que se qualquer
de vocês for uma pessoa ímpia, ou escarnecedora, ou amante de más companhias
(Provérbios 13:20), em suma, se não for um cristão santo, cuidadoso, abnegado,
não poderá ser salvo (Hebreus 12:14; Mateus 15:14).
A
conversão não se fundamenta na justiça moral. Esta justiça não ultrapassa à dos
escribas e fariseus, portanto, não pode conduzir-nos ao reino de Deus (Mateus
5:20). Antes da sua conversão, Paulo era irrepreensível segundo a justiça que
há na lei (Filipenses 3:6). O fariseu poderia dizer: "Não sou roubador,
injusto, adúltero" etc. (Lucas 18:11). Vocês precisam de alguma coisa além
disso para apresentar, ou seja como for que se justifiquem, Deus os condenará.
Eu não condeno a moralidade; mas os aconselho a não descansarem nela. A piedade
inclui a moralidade, assim como o cristianismo inclui a humanidade, e a graça
inclui a razão; mas não devemos confundir as coisas.
A
conversão não consiste numa conformidade exterior às normas da piedade. É certo
que os homens podem ter uma aparência de piedade, mas sem eficácia (II Timóteo
3:5). Podem fazer longas orações (Mateus 23:14), jejuar frequentemente (Lucas
18:12), ouvir de bom grado a Palavra de Deus (Marcos 6:20), e serem muito
zelosos no serviço de Deus -— ainda que isso lhes seja caro e dispendioso
(Isaías 1:11), e, mesmo assim, não serem convertidos. Devem ter alguma coisa a
mais para argumentar em seu favor do que simplesmente o fato de ir à igreja,
dar esmolas, e fazer uso da oração, para provar que são verdadeiramente
convertidos. Não há serviço exterior que um hipócrita não possa fazer, até
mesmo dar todos os seus bens para o sustento dos pobres e o seu corpo para ser
queimado (I Coríntios 13:3).
A
conversão não é apenas o aprisionamento da corrupção mediante a educação,
mediante as leis humanas ou pela força da aflição. É comum e fácil confundir-se
educação com graça; mas se isto fosse suficiente, que homem haveria melhor do que
Joás? Enquanto seu tio Joiada viveu, ele se mostrou muito dedicado ao serviço
de Deus e tomou sobre si o encargo de reparar a casa do Senhor (II Reis 12:2,
7). Mas neste caso não foi nada mais senão o resultado de uma boa educação
durante o tempo em que o seu bom tutor viveu, pois, quando ele morreu Joás
revelou que era apenas um lobo enjaulado, logo depois caindo na idolatria.
Em
suma, a conversão não consiste em iluminação, ou convicção, ou mudança
superficial, ou reforma parcial. O apóstata pode ser um homem iluminado
(Hebreus 6:4), e um Félix pode ficar espavorido sob condenação (Atos 24:25), e
um Herodes pode fazer muitas coisas (Marcos 6:20). Uma coisa é alvoroçar o
pecado somente por convicções; outra coisa é crucificá-lo pela graça da
conversão. Pelo fato de terem a consciência atormentada pelos pecados, muitos
têm em alta conta o seu caso, confundindo miseravelmente a convicção com a
conversão. Entre estes se inclui Caim, o qual poderia ter passado por
convertido, andando pelo mundo, para cima e para baixo, como um homem
enlouquecido, sob a fúria de uma consciência culpada, até que ele a sufocou,
dedicando-se à construção e aos negócios. Outros imaginam que, devido haverem
deixado seus caminhos devassos, as más companhias e alguns prazeres em
particular, e havendo-se transformado em pessoas sóbrias e civilizadas, são
agora verdadeiramente convertidos. Esquecem-se de que há uma enorme diferença
entre ser santificado e civilizado. Esquecem-se de que muitos procuram entrar
no reino dos céus — não estando longe dele e chegando bem perto do cristianismo
— e, contudo, deixam finalmente de alcançá-lo. Enquanto são dominados pela
consciência, muitos oram, ouvem, leem e reprimem os pecados deleitáveis; mas
tão logo que ela se aquieta eles voltam a pecar novamente. Quem poderia ser
mais religioso do que os judeus quando a mão do Senhor pesava sobre eles? No
entanto, antes que passasse a aflição, já se haviam esquecido de Deus. Vocês
podem ter abandonado um pecado incômodo e haver escapado da torpe corrupção do
mundo, sem, contudo haverem mudado a sua natureza carnal.
Vocês
podem pegar uma massa grosseira de chumbo e moldá-la na mais graciosa forma de
uma planta, depois na forma de um animal, e então na forma e feições de um
homem, mas continuará sendo chumbo o tempo todo. Assim, um homem pode passar
por várias transformações — da ignorância ao conhecimento, da irreverência à
delicadeza, e finalmente a uma aparência de religião — e durante esse tempo
todo ser carnal, irregenerado, e sua natureza permanecer a mesma.
Ouçam
então, pecadores, ouçam para que vivam. Por que iludirem-se, fundamentando suas
esperanças sobre a areia? Sei que será tarefa difícil àquele que tentar arrancar
as suas esperanças infundadas. Só pode ser desagradável para vocês, como também
o é para mim. Faço isso como um cirurgião que, com o coração pesado, tem de
cortar o membro gangrenado do seu querido amigo, porque é necessário fazê-lo.
Mas, entendam-me, amados, estou apenas derrubando a casa arruinada (pois, caso
contrário, ela vai desmoronar-se rapidamente e soterrá-los sob suas ruínas)
para que eu possa construí-la bela, forte e firme para sempre. A esperança do
ímpio perecerá (Provérbios 11:7).
Não
seria melhor, ó pecador, deixar que a Palavra de Deus o convença agora enquanto
é tempo, deixando de lado as suas falsas e enganadoras esperanças, ao invés de
permitir que a morte abra seus olhos tarde demais e você se ache no inferno
antes que possa arrepender-se? Eu seria um pastor falso e infiel se não
advertisse a vocês que se não tiverem edificado as suas esperanças sobre
terreno melhor que aqueles já mencionados, então ainda estão em pecado. Deixem
falar a consciência. O que querem apresentar em vossa defesa? É que usam a
vestimenta de Cristo; que ostentam o nome de Cristo; que são membros da igreja
visível; que têm conhecimento dos princípios religiosos; que são civilizados;
que cumprem as tarefas religiosas; que são justos no vosso procedimento; que
têm a consciência atormentada pelos pecados? Declaro-lhes, da parte do Senhor,
que tais argumentos jamais serão aceitos no tribunal de Deus. Tudo isso, embora
seja bom em si mesmo, não vai provar que são convertidos, e, portanto, não será
suficiente para a vossa salvação. Oh, atentem para isso e tomem a decisão de
voltarem rápida e completamente. Examinem os vossos corações, não descansem até
que Deus tenha completado a obra em vocês, pois devem ser pessoas diferentes ou
estarão perdidos.
Mas
se essas pessoas não são convertidas, o que dizer dos profanos? Estes, talvez,
dificilmente leiam ou escutem este discurso, mas se há algum deles que o esteja
lendo ou ouvindo, precisa saber — da parte do Senhor que o fez — que está longe
do reino de Deus. Se é possível que aquele que faz companhia às virgens
prudentes ainda pode ficar de fora, não será, então, muito mais provável que
aquele que faz companhia às loucas seja destruído? É possível alguém ser
sincero em sua conduta e não ser justificado diante de Deus? O que será de
você, então, ó homem miserável, cuja consciência lhe diz que é falso nas suas
transações e na sua palavra? Se os homens podem ser iluminados e levados à
prática externa dos deveres sagrados, e ainda assim se perderem por não serem
convertidos, o que será de vocês, ó famílias miseráveis, que vivem sem Deus
neste mundo? O que será de vocês, miseráveis pecadores, em cujos pensamentos
Deus raramente está — vocês que são tão ignorantes que não podem orar, ou tão
descuidados que nem se preocupam com isso? Oh, arrependam-se e sejam
convertidos, afastando-se dos vossos pecados pela justificação. Refugiem-se em
Cristo, a fim de obterem a graça perdoadora e renovadora.
Entreguem-se
a Ele, para andarem com Ele em santidade, caso contrário jamais verão a Deus.
Oh, se dessem atenção aos conselhos de Deus! Em nome Dele, admoesto-vos mais
uma vez. Atentem para a minha repreensão. Abandonem a insensatez e vivam. Sejam
sóbrios, justos e piedosos. Lavem as mãos, pecadores; purifiquem os vossos
corações, ó vocês de duplo ânimo. Cessem de fazer o mal, aprendem a fazer o bem
(Provérbios 1:23 e 9:6; Tito 2:12; Tiago 4:8; Isaías 1:16-17). Mas se
continuarem, morrerão.
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