quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A NATUREZA DA CONVERSÃO (continuação)



(2). Nós nos afastamos de Satanás. A conversão amarra o homem forte, estraga a sua armadura, lança fora os seus bens, faz com que os homens se voltem do poder de Satanás para Deus. Antes, tão logo que o diabo levantasse o seu dedo para chamá-los à sua companhia pecaminosa, jogos pecaminosos e prazeres imundos eles o seguiam imediatamente "como um boi vai para o matadouro ou como um louco vai para o castigo das prisões, como o pássaro que se apressa para o laço e não sabe que está ali contra a sua vida" (Provérbios 7:22-23). Logo que Satanás os mandasse mentir, imediatamente eles estariam com a língua pronta para proferir mentiras; tão logo o Inimigo oferecesse um objeto lascivo, já seriam aguilhoados pela lascívia. Se o diabo lhes dissesse: "Deixem esses deveres familiares", esteja certo de que tais deveres raramente seriam cumpridos em suas casas. Se ele lhes dissesse: "Larguem dessa rigidez, dessa precisão", eles ficariam bastante longe delas. Se ele lhes dissesse: "Não há necessidade dessas devoções domésticas", dia a dia iriam deixando de fazê-las. Mas após sua conversão o cristão serve a outro Mestre e toma um rumo bem diferente; ele anda segundo os mandamentos de Cristo. Satanás pode, de vez em quando, apanhá-lo na sua armadilha, mas ele já não será mais um cativo voluntário. Está vigilante contra os laços e engodos do Inimigo, e procura cientificar-se dos seus ardis. Torna-se bastante desconfiado das suas tramas e muito zeloso daquilo que lhe acontece, caso Satanás tenha algum propósito a seu respeito. Luta contra os principados e poderes; trata com o mensageiro de Satanás do mesmo modo que os homens tratam com o mensageiro da morte. Mantém os seus olhos sobre o Inimigo e está atento aos seus deveres para que o mesmo não leve vantagem.
         (3). Nós nos afastamos do mundo. Antes de ter uma fé verdadeira, o homem é dominado pelo mundo. Inclina-se a Mamon ou idolatra a sua reputação; ou ama os prazeres mais do que a Deus. Aqui está a raiz da miséria do homem na queda. Ele volve-se à criatura e dá-lhe a estima, a confiança e afeição que são devidas somente a Deus.
         Ó homem miserável, que monstro deformado o pecado fez de você! Deus o fez "um pouco menor do que os anjos"; o pecado o fez um pouco melhor que os demônios, um monstro que tem a cabeça e o coração no lugar dos pés, e estes, esperneando contra o Céu — tudo fora de lugar. O mundo, que foi formado para servir você, está prestes a dominá-lo — a meretriz enganosa o enfeitiçou com os seus encantos e o fez inclinar-se diante dela e servi-la.
         Mas a graça que converte põe tudo em ordem novamente e coloca Deus no trono, e o mundo aos Seus pés; Cristo está no coração e o mundo sob os pés. "... o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". (Gálatas 6:14). Antes dessa mudança, todo clamor era: "quem nos mostrará algum bem (mundano)?", mas, agora, ele ora: "Senhor, exalta sobre mim a luz do Teu rosto", e quem quiser fique com o trigo e o vinho (Salmo 4:6-7). Anteriormente o prazer e o contentamento de seu coração estavam no mundo; então, a sua canção era: "Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga". Mas, agora, tudo isto já perdeu a sua importância e já não tem graça para que o deseje; e ele se afina com o doce salmista de Israel: "O senhor é a porção da minha herança; as linhas caem-me em lugares deliciosos; sim, coube-me uma formosa herança". Nada mais pode deixá-lo contente. Escreveu "vaidade" e "tormento" sobre todos os prazeres mundanos; e "perda" e "imundícia" sobre todas as virtudes humanas. Está em busca, agora, da vida e da imortalidade. Anseia por graça e glória, e tem uma coroa incorruptível em vista. Seu coração está empenhado em buscar ao Senhor. Busca primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e a religião não se trata mais de um assunto casual para ele, mas é a sua principal preocupação. Outrora o mundo tinha domínio sobre ele. Ele faria mais para obter lucro do que para obter santidade — mais para agradar ao seu amigo ou à sua carne, do que a Deus que o fez; e Deus precisava esperar enquanto o mundo era servido em primeiro lugar. Mas agora, tudo precisa esperar; ele odeia pai, mãe, a vida e tudo o mais em comparação a Cristo.
         Bem, leitor, pare um pouco e olhe para dentro de si mesmo. Isso não o preocupa? Você finge ser de Cristo, mas o mundo o domina? Você não sente gozo e contentamento mais reais no mundo do que Nele? Você não se sente mais à vontade quando o mundo está na sua mente e quando está rodeado de prazeres carnais do que quando a sós, em seu quarto, para orar e meditar, ou, assistindo ao culto e adorando ao Senhor? Não há evidência mais segura do estado de falta de conversão, do que ter as coisas do mundo em primeiro plano, no que se refere aos nossos interesses, amor e estima.
         Para o verdadeiro convertido, Cristo tem a supremacia. Quão querido é o Seu nome para ele! Quão preciosa é a Sua graça! O nome de Jesus está gravado em seu coração. Para ele, a honra é simples aparência; o riso é apenas loucura; e Mamon caiu por Terra como Dagom diante da arca, com as mãos e a cabeça quebradas na soleira, quando Cristo é revelado de maneira salvadora. Aqui está a pérola de grande preço para o verdadeiro convertido; aqui está o seu tesouro; aqui está a sua esperança. Esta é a sua glória: "Meu amado é meu, e eu sou dele". Oh, é mais doce para ele ser capaz de dizer: "Cristo é meu", do que se ele pudesse dizer: "O reino é meu; as índias são minhas".
         (4). Nós afastamo-nos da nossa justiça própria. Antes da conversão o homem procura cobrir-se com folhas de figueira e santificar-se com os seus próprios deveres. Está apto a confiar em si mesmo, a estabelecer a sua justiça própria e a contabilizar os seus bens como ouro, mas não está apto a se submeter à justiça de Deus. Mas a conversão muda a sua mente; agora ele considera sua justiça própria como trapos de imundícia. Ele a lança fora como uma pessoa faria com os trapos repugnantes de um mendigo asqueroso. É, agora, levado à pobreza de espírito; condena-se e reclama de si mesmo; considera todos os seus bens "desgraçados, e miseráveis, e pobres, e cegos, e nus". Vê um mundo de iniquidade nas suas coisas santas, e a sua justiça — antes idolatrada — chama de imundícia e prejuízo; e nem por milhares de mundos se acharia vestido nela.
         Agora começa a dar um alto valor à justiça de Cristo. Vê a necessidade de Cristo em cada dever, para justificar a sua pessoa e santificar os seus atos; não pode viver sem Ele; não pode orar sem Ele. Cristo precisa de ir com ele, caso contrário, não pode chegar à presença de Deus; inclina-se para Cristo e, portanto, encurva-se na casa do seu Deus. Esconde-se em Cristo, como a raiz de uma árvore se espalha na Terra para ter estabilidade e nutrir-se. Outrora as novas de Cristo eram uma coisa sem graça e sem sabor; mas, agora, quão doce é Cristo. Agostinho não podia apreciar o seu tão admirado Cícero, porque não podia encontrar nos escritos dele o nome de Cristo. Quão enfaticamente ele exclama: "Ó suavíssimo, amantíssimo, bondosíssimo, queridíssimo, preciosíssimo, desejadíssimo, adorabilíssimo, justíssimo!"  tudo de um só fôlego, quando fala de e para Cristo. Em suma, o convertido brada juntamente com o mártir: "Ninguém, senão Cristo".

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