C. H. Mackintosh
Tudo isto sem dúvida era bom. Entretanto, a chegada dos três amigos de Job provoca uma mudança notável. A sua simples presença, o mero feito de serem testemunhas oculares da sua miséria, influiu nele de uma maneira surpreendente. “Ouvindo, pois, três amigos de Job todo este mal que tinha vindo sobre ele, vieram cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, e Bildad o suíta, e Sofar o naamatita; e combinaram condoer-se dele, para o consolarem. E, levantando de longe os seus olhos, não o conheceram; e levantaram a sua voz e choraram, e rasgaram cada um o seu manto, e sobre as suas cabeças lançaram pó ao ar. E assentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, porque viam que a dor era muito grande.” (Jó 2:11-13)
Bem podemos crer que estes três homens estavam motivados, acima de tudo, por bons sentimentos para com Jó; e não lhes foi um grande sacrifício da sua parte ter que deixar os seus lares para virem a condoer-se do seu triste e aflito amigo. Tudo isto o podemos compreender sem a maior dificuldade. Mas é evidente que as suas presenças tiveram o efeito de despertar no coração de Jó sentimentos e pensamentos que até então tinham permanecido dormidos. Ele tinha suportado com resignação a perda dos seus filhos, dos seus bens e de sua saúde. Satanás tinha sido repelido, e o conselho de sua mulher, rechaçado. Mas a presença de seus amigos abateu por completo o espírito do Jó. “Depois disto, abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.” (Jó 3:1).
Isto é muito notável. Os seus amigos, pelo visto, não haviam pronunciado uma só palavra. Sentaram-se absolutamente em silêncio, com as suas vestiduras rasgadas e as suas cabeças cobertas de pó, contemplando uma aflição tão profunda que era impossível de sondar. Jó mesmo foi quem rompeu o silêncio. Todo o terceiro capítulo consiste em um desabafo dos seus amargos lamentos, evidenciando assim, tristemente, um espírito indômito. Podemos dizer com segurança que é impossível que alguém que tenha aprendido a dizer em alguma medida: “seja feita a Tua vontade”, possa alguma vez amaldiçoar o dia em que nasceu ou empregar a linguagem que vemos no terceiro capítulo do nosso livro.
Sem dúvida, algum pode dizer: “é fácil falar quando nunca nos tocou ter que suportar as terríveis provas de Jó”. Isto é muito certo; e podemos agregar que nenhum outro homem teria obrado melhor em semelhantes circunstâncias. Tudo isto o compreendemos perfeitamente; mas não cambia em absoluto o grande ensino moral do livro do Jó, ensino que temos o privilégio de aprender. Jó era um verdadeiro santo de Deus; mas ele —como todos nós— precisava conhecer-se si mesmo. Necessitava que as raízes ocultas do seu ser moral fossem descobertas diante dos seus próprios olhos, de modo que pudesse verdadeiramente aborrecer-se e arrepender-se no pó e na cinza. E necessitava, além disso, ter uma percepção mais profunda e verdadeira do que Deus era, para assim poder confiar Nele e justificá-Lo em todas as circunstâncias.
Todas estas coisas, porém, buscá-las-emos em vão no primeiro discurso de Jó. “E Jó, falando, disse: Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem! (...) Por que não morri eu desde a madre, e, em saindo do ventre, não expirei?” (Jb 3:2-3,11). Estas não são as palavras de um espírito contrito e quebrantado, nem de alguém que aprendeu a dizer: “Sim, ó Pai, porque assim te aprouve” (Mateus 11:26). Alcançou-se um marco importante na história da alma quando se é capaz de inclinar-se mansamente ante todas as dispensações da mão do nosso Pai. Uma vontade quebrantada é um dom precioso e extraordinário. Alcançou-se um grau elevado na escola de Cristo quando se é capaz de dizer: “já aprendi a contentar-me com as circunstâncias em que me encontre.” (Filipenses 4:11) Paulo teve que aprender isto. Não era conforme a sua natureza; e certamente jamais o teria aprendido aos pés do Gamaliel. Teve que quebrar-se por completo aos pés de Jesus de Nazaré antes de poder dizer do fundo do seu coração: «Estou contente.» Teve que sopesar o significado destas palavras: “A minha graça te basta”, antes de poder “gozar-se nas debilidades” (2 Co 12:9-10).
O homem que foi capaz de empregar esta linguagem é o antípoda do que pôde amaldiçoar o dia em que nasceu, e exclamar: “Pereça o dia em que eu nasci.” (Jb 3:3) Pense só num santo de Deus, num herdeiro da glória, dizendo: “Pereça o dia em que eu nasci.” Ah, se Jó tivesse estado na presença de Deus, nunca teria podido pronunciar semelhantes palavras! Teria sabido perfeitamente bem por que tinha ficado com vida. Haveria tido um sentido claro e satisfatório para a sua alma do que Deus tinha reservado para ele. Teria justificado a Deus em todas as coisas. Mas Jó não se achava na presença de Deus, mas na dos seus amigos, os quais demonstraram claramente ter pouco —ou nenhum— conhecimento do caráter de Deus e do verdadeiro objetivo dos Seus desígnios para com o Seu querido servo Jó.
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