A Glória de Cristo como Mediador: I. A Sua humilhação
O pecado de Adão colocou um abismo tão grande entre a raça humana e Deus que toda a raça teria sido completamente arruinada a menos que se encontrasse uma pessoa idônea para fazer a paz entre Deus e nós, quer dizer, para atuar como mediador. Deus não atuaria como esse mediador, nem tão-pouco havia alguém na Terra que pudesse fazê-lo. “Não há entre nós árbitro (esta palavra no hebraico equivale a “mediador”) que ponha a mão sobre nós ambos” (Jó 9:33). Não obstante, uma paz justa entre Deus e o homem tinha de ser realizada ou nunca existiria nenhuma paz. Então, o Senhor Cristo como o Filho de Deus disse: “Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo Me preparaste... Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a Tua vontade.” (Hb 10:5-7). Como o Apóstolo Paulo nos diz: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem.” (1Tm 2:5) Cristo despojou-Se a Si mesmo e humilhou-Se quando “tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens” (Fl 2:7). Isto fá-lO glorioso perante os olhos dos crentes. Vejamos agora três coisas:
1. A grandeza desta humilhação: “Deus... habita nas alturas... e humilha-Se para ver o que está nos Céus e na Terra” (Sl 113:5-6). “Todas as nações são como nada perante Ele; Ele considera-as menos do que nada e como uma coisa vã” (Is 40:17). Existe uma distância infinita entre Deus e as Suas criaturas, e para Ele é um ato de pura graça fixar-Se nas coisas terrestres. Cristo, como Deus, é completamente auto-suficiente em Sua própria bem-aventurança eterna. Quão grande é então a glória da Sua auto humilhação, ao tomar a nossa natureza com o fim de levar-nos a Deus! Esta humilhação não foi pela força, mas Ele escolheu-a voluntariamente, humilhou-Se para ser o nosso mediador. Que coração pode conceber a glória da condescendência de Cristo? Que língua pode expressar a graça que O trouxe da glória infinita a tomar a nossa natureza em união Consigo mesmo para interceder a nosso favor?
2. A natureza especial desta humilhação: O Filho de Deus não deixou de ser igual a Deus quando veio a ser homem. “Sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus” (Fl 2:6). Os judeus buscavam matá-lO porque Ele dizia que: “Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus” (João 5:18). Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo na nossa natureza, Ele veio a ser o que jamais tinha sido antes, mas Ele nunca deixou de ser o que Ele sempre tinha sido na Sua natureza divina. Ele, que é Deus, nunca pôde deixar de ser Deus. A glória da Sua natureza divina estava encoberta, assim que todos aqueles que O viram não creram que Ele era Deus. As suas mentes não podiam entender algo que nunca antes tinha acontecido, isto é, que uma e a mesma pessoa fosse tanto Deus como homem. Não obstante, aqueles que creem, sabem que Ele que é Deus, humilhou-Se a Si mesmo para tomar a nossa natureza para a salvação da Igreja. É certo que o nosso Senhor Jesus Cristo é uma pedra de tropeço e uma rocha de queda para muitos hoje em dia, para os que como os muçulmanos e os judeus pensam que Ele é somente um profeta. Mas se tirarmos o facto de que Ele é tanto Deus como homem, então também tiramos toda a glória, toda a verdade e todo o poder do Cristianismo. Os seguintes pontos ajudar-nos-ão a entender a natureza especial desta humilhação:
a. Cristo não deixou de lado a Sua natureza divina. “Sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus” (Fl 2:6). Cristo em autoridade, dignidade, poder e majestade era igual a Deus.
b. Cristo não converteu a Sua natureza divina numa natureza humana. Isto é o que os antigos arianos ensinavam, que em Cristo a substância da natureza divina se converteu em carne, tal como o milagre onde a água foi convertida em vinho. Segundo eles, por um ato do poder divino, deixou de ser água e veio a ser somente vinho, não água misturada com vinho. Assim os arianos supunham que houve uma mudança substancial de uma natureza na outra; quer dizer, que a natureza divina se converteu numa natureza humana da mesma maneira como os católicos imaginam que o pão e o vinho (pela transubstanciação) se convertem verdadeiramente no corpo e no sangue de Cristo.
Mas esta doutrina destrói ambas as naturezas de Cristo e deixa-O como uma pessoa que já não pode ser nosso mediador. Segundo este ensino, na encarnação Cristo deixou de ser Deus.
c. Na Sua humilhação para chegar a ser o nosso mediador, Cristo não trocou, nem alterou a Sua natureza divina. Eutiques (378-454.) e os seus seguidores ensinavam que as duas naturezas de Cristo, a divina e a humana, foram misturadas e compostas numa só. Mas isto não podia acontecer sem que a natureza divina Se alterasse, algo que não é possível que aconteça. Posto que na natureza divina não há “mudança, nem sombra de variação” (Tiago 1:17) permaneceu a mesma Nele (Cristo) em todas as suas qualidades essenciais e na sua bem-aventurança, tal como foi desde a eternidade. O Senhor Jesus Cristo fez e sofreu muitas coisas na Sua vida e na Sua morte como um ser humano. Mas tudo o que Ele fez e sofreu como um ser humano foi feito e sofrido pela Sua personalidade completa, ainda que o que Ele fez e sofreu como um ser humano não foi realmente feito pela Sua natureza divina. (Por exemplo: Jesus Cristo morreu, mas só na Sua natureza humana posto que Deus não pode morrer.) Mas, já que a Sua natureza humana foi parte da Sua personalidade completa, poder-se-ia dizer que foi feito por Ele mesmo como Deus. Por exemplo Atos 20:28 diz que Deus resgatou a Igreja com o Seu próprio sangue.
d. O que fez Cristo, o Senhor, quando Se humilhou a Si mesmo para chegar a ser homem?
I. Cristo, O Eterno Filho de Deus, por um ato inexprimível do Seu amor e poder divinos, tomou sobre Si a nossa natureza humana e a fez Sua, tal como a natureza divina é também Sua. A natureza humana é comum a todos nós, mas chega a ser especialmente nossa como indivíduos quando nascemos; e assim é que somos indivíduos, diferentes dos outros. Assim Cristo, o Senhor, tomou a natureza humana a qual é comum a todos nós e a fez especialmente Sua, e veio a ser “o homem, Cristo Jesus”.
II. Devido a que Se encontrava na Terra, vivendo e sofrendo na nossa natureza, a glória da Sua personalidade divina (como a Segunda Pessoa da Trindade) estava encoberta.
III. Se bem que Cristo tomou a nossa natureza para fazê-la Sua, não a converteu em algo divino antes a preservou como inteiramente humana. Ele realmente atuou, sofreu, foi provado, tentado e desamparado, do mesmo modo como qualquer outro homem (mas sem pecado).
3. A glória de Cristo na Sua humilhação: Ainda se fôssemos anjos, não poderíamos descrever a glória manifesta na sabedoria divina do Pai e o amor do Filho ao humilhar-Se para chegar a ser homem. Isto é um mistério, porque Deus é grande e os Seus caminhos estão para lá do entendimento das Suas criaturas. Não obstante, é a glória da religião cristã que Aquele que é verdadeiramente Deus, Se despojou a Si mesmo de tal maneira que em comparação com outros Ele disse, “Eu sou verme, e não homem” (Salmo 22:6).
Estamos carregados com uma consciência do nosso pecado? Estamos perplexos com as tentações? Então, um olhar para esta glória de Cristo dar-nos-á apoio e alívio. “Ele vos será santuário” (Is 8:14). Aquele que Se despojou e Se humilhou a Si mesmo para nosso benefício, não obstante, não perdeu nada do Seu poder como o Deus eterno. Ele mesmo nos salvará de todas as nossas angústias. Se não vemos nisto nenhuma glória, é porque não há em nós nenhum conhecimento espiritual nem fé. A glória de Cristo como mediador é “Este é o descanso, dai descanso ao cansado; e este é o refrigério” (Is 28:12).
Portanto, rogo-te que medites pela fé na natureza dupla e única de Cristo. Isto tem um propósito firme e prático. Como crentes deveríamos praticar a auto negação e estar dispostos a tomar a nossa cruz. Mas não podemos fazer isto numa consideração correta da auto negação do Filho de Deus (Veja-se Filipenses 2:5-8). O que são as coisas deste mundo, ainda até os nossos seres queridos e as nossas próprias vidas (as quais logo terminarão) em comparação com a glória de Cristo, quando Ele Se despojou a Si mesmo para vir a este mundo? Quando começamos a pensar nestas coisas, logo chegamos ao ponto em que o nosso raciocínio humano fica atrás e só podemos adorar pela fé e maravilhar-nos do mistério da encarnação. Gostaria de ser levado a este ponto em cada dia. Quando acharmos que o objeto no qual a nossa fé se fixa, é muito grande e glorioso para a nossa compreensão, então seremos cheios de admiração santa, adoração humilde e de um agradecimento cheio de gozo.
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