Spurgeon
“...e Dele não fizemos caso” (Isaías 53:3)
(continuação)
Venham,
ainda, as tâmaras da Arábia e os ventos impregnados de odores aromáticos do
Ceilão, e que o incenso de substâncias fragrantes, de olíbano e mirra, exale
diante dele; eis que suas narinas permanecem tão imóveis quanto uma estátua, e
seus lábios não manifestam nenhum prazer. Sim, você pode trazer auxílios mais
poderosos, como o estrondo de uma avalanche, o bramido de cataratas, a fúria do
oceano, o uivo dos ventos, o ribombar de um terremoto e o reboo de um trovão:
ainda que todos esses sons unidos de uma só vez ressoassem, não levantariam o
dormente de seu divã fatal. Está morto, e este fato desvenda todo o mistério.
Assim também nós, agora avivado pelo Espírito Santo, estivemos um dia, mortos
no pecado e “Dele não fizemos caso”. Eis aí a raiz de todos os nossos delitos,
a origem de todos os nossos delitos, a origem de toda a nossa iniquidade.
As causas
secundárias da loucura que cometemos estão logo abaixo da superfície e requerem
apenas um momento de observação. O amor próprio contribuiu em muito para que
maltratássemos o “amigo dos pecadores”. A presunção com nossos méritos próprios
fez-nos indiferentes às reivindicações daquele que buscava para nós uma justiça
perfeita. “Os são não precisam de médico” (Marcos 2:17): nos sentíamos
insultados pela linguagem de um evangelho que nos falava como se fôssemos seres
indignos. A cruz pode exercer pouco poder onde o orgulho oculta a necessidade de
perdão; um sacrifício é pouco valorizado quando não estamos conscientes de que
precisamos dele. Em nossa opinião, éramos as criaturas mais nobres; a oração do
fariseu poderia sinceramente provir de nós. Ganhamos algumas ninharias aqui e
ali desonestamente mas, no geral, pensávamos que estávamos nos tornando “ricos
e abastados” (Apocalipse 3:17), e mesmo quando sob a poderosa voz da lei éramos
defrontados com nossa pobreza, ainda esperávamos, através da obediência futura,
reverter a nossa sentença, e estávamos totalmente relutantes em aceitar a
salvação que exigia uma renúncia de todos os méritos e uma confiança simples no
Redentor crucificado. Jamais deixaríamos a nossa lida nem abandonaríamos a “teia
de aranha” do esforço próprio, até que todo o trabalho nos fosse tirado das
mãos e nossos dedos se tornassem incapazes; somente então nos vestiríamos com a
justificação pela graça. Ninguém pode pensar muito em Cristo até que pense
pouco de si mesmo. Quanto mais baixa for a visão de nós mesmos, tanto mais
elevados serão os pensamentos sobre Jesus; somente quando o aniquilamento
próprio for completo, o Filho de Deus poderá ser “tudo em todos”.
A vanglória
e o amor-próprio são férteis progenitores do mal. Crisóstomo chama o
amor-próprio de uma das três grandes armadilhas do maligno; e Bernardo o
denomina “uma flecha que perfura a alma e a mata; um inimigo insensível e
astuto, não percebido”. Sob a má influência deste poder nós comumente amamos
mais quem nos causa mais danos, pois o adulador que alimenta nossa vaidade com
clamores agradáveis de “paz, paz”, é muita mais considerado do que o bendito
Jesus, que com seriedade nos adverte de nosso estado doentio. Mas, quando a
autoconfiança é retirada – quando a alma é despida pela convicção de pecado,
quando a luz do espírito revela o estado repugnante do coração, quando o poder
da criatura fracassa, quão precioso é Jesus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário