Spurgeon
“...e Dele não fizemos caso” (Isaías 53:3)
(continuação)
Não
haveríamos também de prostrarmos profundamente o espírito com a lembrança da
nossa culpa? O objeto da presente contemplação não deveria ser uma punhalada no
coração do orgulho? Chegue mais perto, cristão, embora agora revestido da
armadura da salvação, e veja como andava outrora nu. Não se gabe de suas
riquezas, lembre-se de como era um simples mendigo; nem se glorie em suas
virtudes, elas são estranhas ao seu coração; lembre-se das plantas mortíferas –
a vegetação nativa daquele solo mau; Incline-se com o rosto no chão e, apesar
de não poder ocultar-se sob as asas como os anjos, permita que o arrependimento
e auto-repugnância cubram-no. Não pense que humildade é fraqueza; ela provê o
tutano que é a força dos ossos. Incline-se para vencer; prostre-se e torne-se
invencível.
Se
tivéssemos uma visão correta de nós mesmos, a ninguém julgaríamos vil demais
para ser regenerado e não consideraríamos uma desonra carregar nos ombros o
mais errante do rebanho. Entre nós há muito do espírito: “Espere-me passar,
porque sou mais santo do que você”. Aqueles que Jesus teria de agarrar pela mão
nós não arrastaríamos nem com uma tenaz; tal o orgulho de certos professores,
que deveriam ser reconhecidos como legítimos sucessores dos antigos fariseus.
Se fôssemos mais parecidos com Cristo, estaríamos mais prontos a ter esperança
pelos desesperados, valorizar os indignos e amar os que estão atolados em
pecado.
A seguinte
história, que o autor ouviu de um estimado ministro da Igreja da Inglaterra,
talvez possa, como um fato, ser mais eficaz que as palavras. Certo pastor de
uma paróquia na Irlanda havia visitado todas as pessoas abrangidas por seu
rebanho, exceto uma. Tratava-se de uma mulher com uma vida depravada; ele temia
que o fato de entrar na casa dela desse motivo de ofensa aos maldizentes,
trazendo desonra para seu ofício. Num domingo, percebeu a mulher entre os
presentes ao culto, e durante semanas notou como ela dava atenção à Palavra da
Vida. Pensou, também, ouvir, entre o som das respostas, uma voz doce e sincera,
confessando solenemente seu pecado e implorando misericórdia. Compadeceu-se
daquele filha de Eva decaída; ele ansiava por perguntar-lhe se de fato se
coração havia sido quebrantado e desejava intensamente falar-lhe sobre a graça
abundante, na esperança de que ela tivesse sido Dalva do fogo. Mesmo assim a
mesma atitude sensível o impediu de entrar na casa; vez após vez ele passou por
sua porta com um olhar compassivo, ansioso pela salvação dela, porém zeloso de
sua própria honra. Isso durou um bom tempo, mas um dia ela o chamou e, em
prantos que revelavam um coração quebrantado, disse-lhe: “Ah, senhor! Se o seu
Mestre tivesse estado nesta aldeia metade do tempo do Senhor, ele já teria
vindo falar comigo há muito, pois sou a pior das pecadoras e preciso mais do
que ninguém da Sua misericórdia”. Podemos até imaginar o coração daquele pastor
derretendo ao ver sua atitude ser condenada de modo tão cuidadoso na comparação
com seu Mestre amoroso. A partir desse dia, ele decidiu não negligenciar
ninguém, mas sim reunir todos os “marginalizados em Israel”. Meditando nisso,
que possamos, para nosso próprio proveito, se constrangidos a fazer o mesmo,
possibilitando que alguma alma tenha motivo para bendizer o nome de Deus porque
os nossos pensamentos foram dirigidos para ela. Que o Espírito da graça, que
prometeu nos “guiar em toda a verdade” por meio de Sua santa influência,
santifique para nosso bem essa visita à casa onde nascemos, despertando em nós
todas as emoções convenientes e guiando-nos para ações compatíveis com este
grato retrospecto.
(fim)
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