terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O AMIGO DESPREZADO (fim)




Spurgeon
  “...e Dele não fizemos caso” (Isaías 53:3) (continuação)
        Não haveríamos também de prostrarmos profundamente o espírito com a lembrança da nossa culpa? O objeto da presente contemplação não deveria ser uma punhalada no coração do orgulho? Chegue mais perto, cristão, embora agora revestido da armadura da salvação, e veja como andava outrora nu. Não se gabe de suas riquezas, lembre-se de como era um simples mendigo; nem se glorie em suas virtudes, elas são estranhas ao seu coração; lembre-se das plantas mortíferas – a vegetação nativa daquele solo mau; Incline-se com o rosto no chão e, apesar de não poder ocultar-se sob as asas como os anjos, permita que o arrependimento e auto-repugnância cubram-no. Não pense que humildade é fraqueza; ela provê o tutano que é a força dos ossos. Incline-se para vencer; prostre-se e torne-se invencível.
        Se tivéssemos uma visão correta de nós mesmos, a ninguém julgaríamos vil demais para ser regenerado e não consideraríamos uma desonra carregar nos ombros o mais errante do rebanho. Entre nós há muito do espírito: “Espere-me passar, porque sou mais santo do que você”. Aqueles que Jesus teria de agarrar pela mão nós não arrastaríamos nem com uma tenaz; tal o orgulho de certos professores, que deveriam ser reconhecidos como legítimos sucessores dos antigos fariseus. Se fôssemos mais parecidos com Cristo, estaríamos mais prontos a ter esperança pelos desesperados, valorizar os indignos e amar os que estão atolados em pecado.
        A seguinte história, que o autor ouviu de um estimado ministro da Igreja da Inglaterra, talvez possa, como um fato, ser mais eficaz que as palavras. Certo pastor de uma paróquia na Irlanda havia visitado todas as pessoas abrangidas por seu rebanho, exceto uma. Tratava-se de uma mulher com uma vida depravada; ele temia que o fato de entrar na casa dela desse motivo de ofensa aos maldizentes, trazendo desonra para seu ofício. Num domingo, percebeu a mulher entre os presentes ao culto, e durante semanas notou como ela dava atenção à Palavra da Vida. Pensou, também, ouvir, entre o som das respostas, uma voz doce e sincera, confessando solenemente seu pecado e implorando misericórdia. Compadeceu-se daquele filha de Eva decaída; ele ansiava por perguntar-lhe se de fato se coração havia sido quebrantado e desejava intensamente falar-lhe sobre a graça abundante, na esperança de que ela tivesse sido Dalva do fogo. Mesmo assim a mesma atitude sensível o impediu de entrar na casa; vez após vez ele passou por sua porta com um olhar compassivo, ansioso pela salvação dela, porém zeloso de sua própria honra. Isso durou um bom tempo, mas um dia ela o chamou e, em prantos que revelavam um coração quebrantado, disse-lhe: “Ah, senhor! Se o seu Mestre tivesse estado nesta aldeia metade do tempo do Senhor, ele já teria vindo falar comigo há muito, pois sou a pior das pecadoras e preciso mais do que ninguém da Sua misericórdia”. Podemos até imaginar o coração daquele pastor derretendo ao ver sua atitude ser condenada de modo tão cuidadoso na comparação com seu Mestre amoroso. A partir desse dia, ele decidiu não negligenciar ninguém, mas sim reunir todos os “marginalizados em Israel”. Meditando nisso, que possamos, para nosso próprio proveito, se constrangidos a fazer o mesmo, possibilitando que alguma alma tenha motivo para bendizer o nome de Deus porque os nossos pensamentos foram dirigidos para ela. Que o Espírito da graça, que prometeu nos “guiar em toda a verdade” por meio de Sua santa influência, santifique para nosso bem essa visita à casa onde nascemos, despertando em nós todas as emoções convenientes e guiando-nos para ações compatíveis com este grato retrospecto.
(fim)



















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