Wesley
III A primeira objeção que a este
asserto usualmente se faz, é:
1.
Que
pregar a salvação, ou a justificação, pela fé, somente, é pregar contra a
santidade e as boas obras. Á isto se pode dar esta breve resposta: “O reparo
seria verdadeiro, se falássemos, como fazem alguns, de uma fé separada da
santidade e das boas obras; falamos, porém, da fé que, ao revés, produz todas
as boas obras e toda a santidade”.
2.
Pode,
entretanto, ser de maior utilidade à apresentação de uma resposta mais extensa,
principalmente se considerar que a objeção em apreço não é nova, mas remonta
aos tempos de S. Paulo. Já naquele tempo perguntava o apóstolo: “Invalidamos a
lei pela fé?” Respondemos, primeiro, que todo o que não prega a fé,
manifestamente invalida a lei, quer direta e grosseiramente, por limitações e
comentários que destroem todo o espírito do texto, quer indiretamente, deixando
de apontar o único meio pelo qual é possível dar cumprimento à própria lei.
Enquanto que, em segundo lugar, “estabelecemos a lei”, tanto no demonstrar sua
plena extensão e seu amplo sentido espiritual, como no apontar a todos aquele
caminho de vida, para que “a justiça da lei neles se possa cumprir”. Os que só
confiam no sangue de Cristo usam de todas as ordenanças que ele estabeleceu,
fazem todas as “boas obras que ele antes havia preparado para que andassem
nelas”, formam e exteriorizam todo o santo e celestial caráter e ainda a
própria mente que havia em Cristo Jesus.
3.
Mas, a
pregação dessa fé não leva os homens ao orgulho? Respondemos que,
acidentalmente, isto pode acontecer; entretanto, todo crente verdadeiro deve
estar perfeitamente a par da advertência contida nas palavras do grande
apóstolo: “Em razão da incredulidade” os primeiros galhos “foram separados; e
tu permaneces na fé. Mas não te vanglories, mas teme. Se Deus não poupou os
ramos naturais, toma cuidado para que não suceda que ele deixe de poupar-te.
Veja, pois, a bondade e severidade de Deus! para os que caíram, severidade;
mas, para contigo, bondade, se perseverares em sua bondade; de outro modo,
também tu serás desarraigado”. (Romanos 3.27).
E, enquanto ele prossegue,
lembremo-nos das palavras de S. Paulo, prevendo e rebatendo tal objeção: “Onde
está, logo, a jactância? Ficou excluída. Por que lei? Pela das obras? Não; mas
pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas obras, teria de que se
gloriar; mas não há glorificação para aquele que “não obra, mas crê naquele que
justifica o ímpio” (Romanos 4.5). No mesmo sentido são as palavras que precedem
e seguem o texto (Efésios 11.4): “Deus, que é rico em misericórdia, ainda
quando estávamos morto em pecados, reconciliou-nos com Cristo (pela graça sois
salvos), para que pudesse mostrar a suprema riqueza de sua graça em bondade
para conosco, em Cristo Jesus. Pela graça é que sois salvos mediante a fé; e
isto não vem de vós mesmos”. De vós mesmos não vem vossa fé, nem vossa
salvação: são “dons de Deus”; representam livre, imerecida dádiva. A fé,
mediante a qual sois salvos, bem como a salvação que Deus, por sua própria boa
vontade, por seu mero favor, adiciona a ela, procedem do Senhor. O fato de
crermos é um aspecto de sua graça; o fato de, crendo, sermos salvos, é outro
aspecto. “Não pelas obras, para que ninguém se glorie”. Porque todas as nossas
obras, toda a nossa justiça, anteriores à nossa crença, nada merecem de Deus, a
não ser a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, recebida esta,
ela não procede do mérito das obras. Nem a salvação é pelas obras, quando
cremos, porque Deus é quem então opera em nós. Deste modo, dar-nos recompensa
por aquilo que ele próprio realiza, é gesto que somente pode recomendar as
riquezas de sua misericórdia, mas que a nós não nos deixa coisa alguma de que
nos possamos gloriar.
4.
Falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente,
só pela fé, não incita, por ventura, os homens ao pecado? Na verdade isto pode
acontecer e acontecerá: muitos “continuarão no pecado para que a graça possa
superabundar”; mas seu sangue será sobre sua cabeça. A bondade de Deus deve
levá-los ao arrependimento: isto acontecerá com os que sejam sinceros de
coração, os quais, sabendo que ainda há perdão para eles, clamam com ânsia que
desejam também ver canceladas suas culpas mediante a fé que há em Jesus. E se
eles realmente clamam sem fingimento; se o buscam por todos os meios que o
próprio Deus apontou; se recusam a ser confortados até que venha o Senhor,
—“Ele virá e não tardará”. E ele pode fazer grandes coisas em curtíssimo espaço
de tempo. Muitos são os exemplos, nos Atos dos Apóstolos, da divina operação da
graça no coração dos homens, manifestando-se como relâmpago fuzilando desde os
céus. Assim, no mesmo instante em que Paulo e Silas começaram a pregar, o
carcereiro se arrependeu e creu, sendo batizado; o mesmo se dera com os três mil,
no dia de Pentecoste, que se arrependeram “e creram à primeira pregação de
Pedro. E, graças a Deus, ainda há muitas provas vivas de que ele é “poderoso
para salvar”.
5.
Ainda
quanto à mesma verdade, considerada sob outro ponto de vista, levanta-se a objeção
contrária: Se o homem não pode ser salvo depois de tudo quanto fizer ou possa
fazer, isso o lavará ao desespero. Levá-lo-á, sim, à desesperança de ser salvo
por suas próprias obras, seus méritos ou sua justiça. E deve, ser assim, porque
ninguém pode confiar nos méritos de Cristo, antes que se tenha negado
inteiramente a si mesmo. Aquele que “tenta estabelecer sua própria justiça”,
não pode receber a justiça que vem de Deus.
A justiça que é pela fé não lhe
pode ser dada enquanto ele confiar na justiça que vem da lei.
6.
Mas isto,
diz-se, é uma doutrina desoladora. O diabo fala coerentemente consigo próprio,
isto é, sem veracidade nem pudor, quando ousa sugerir aos homens que seja
desoladora a doutrina em questão. É a única tranquilizadora, “cheia de conforto”
para os pecadores que se destroem e se perdem. “Aquele que nele crê não será
confundido, porque o mesmo Senhor é rico para com todos os que o invocam” Eis
aí o conforto, alto como os céus, forte como a morte! Como! Misericórdia para
com todos? Para Zaqueu, um ladrão público? Para Maria Madalena, meretriz
vulgar? Parece-me ouvir alguém dizendo: “Então eu, também eu, posso esperar
misericórdia!” Podes, sim, aflito, a quem não houve quem confortasse! Deus não
desdenhará tua oração. Talvez te venha ele dizer imediatamente: “Tem bom ânimo;
teus pecados são te perdoados”; tão perdoados que eles jamais exercerão domínio
sobre ti, e, ainda mais, “o Espírito Santo testificará com teu espírito que és
filho de Deus”. Oh! Alegres boas-novas! Boas-novas de grande gozo, enviadas a
todo o povo! “Oh! Que todo o que tem sede venha às águas: venha e compre, sem
dinheiro e sem preço”. Ainda que teus pecados sejam “vermelhos como o carmesim”
e tantos como teus cabelos, “volta para o Senhor e ele terá misericórdia de ti;
e para nosso Deus, porque ele te perdoará largamente”.
7.
Quando
nenhuma outra objeção ocorre, simplesmente nos dizem os opositores que a
salvação somente pela fé não deve ser pregada como doutrina capital, ou, pelo
menos, não deve ser pregada a todos. Mas, que diz a Espírito Santo? Ninguém
pode pôr outro fundamento além do que já foi posto, que é Jesus Cristo”. Logo,
a doutrina segundo a qual “todo o que nele crê será salvo” é, e deve ser, o
fundamento de toda nossa pregação, isto é, deve ser pregada em primeiro lugar.
“Seja assim; mas não a todos”. A quem, então, não devemos pregar? Quem será
excluído? Os pobres? Não. Eles têm especial direito à pregação do Evangelho. Os
ignorantes? Não. Deus tem revelado essas coisas, desde o começo, aos simples e
ignorantes. Os jovens? De modo nenhum: “deixai-os”, de qualquer modo, “vir a
Cristo, e não os embaraceis”. Os pecadores? Muito menos. “Ele veio a chamar,
não os justos, mas os pecadores ao arrependimento”. Se, entretanto, tivéssemos
de excluir alguns, excluiríamos os ricos, os letrados, os homens afamados e de
boa conduta. É verdade que estes, de sua parte, se recusam a ouvir; todavia,
ainda assim lhes devemos dizer a palavra de nosso Senhor. O teor de nossa
comissão no-lo impõe: “Ide e pregai o Evangelho a toda criatura”. Se alguém,
para sua própria perdição, falsear ou torcer uma parte dessa palavra, esse tal
levará sua própria carga. Mas, ainda assim, “Vive o Senhor que, seja o que for
que nos disser, isso mesmo diremos”.
8.
Hoje,
mais especialmente, diremos que “pela graça sois salvos mediante a fé”: porque
a sustentação desta doutrina nunca foi mais oportuna do que no presente. Nada
pode mais eficientemente prevenir a expansão do erro romanista entre nós do que
a pregação daquela doutrina. Seria um nunca acabar o atacar, um a um, todos os
erros, daquela igreja; mas a salvação pela fé corta-os pela raiz e, onde quer
que se estabeleça, imediatamente consome tudo quanto de mau houver em torno. A
essa doutrina é que nossa igreja mui justamente chama a rocha mais forte e o
fundamento da religião cristã, a qual primeiro expulsou o Papismo destes
reinos, sendo que somente ela pode mantê-lo à distância. Nada, a não ser essa
doutrina, pode opor um dique àquela imoralidade que “invade a terra como um
dilúvio”.
Podes
tu encher gota a gota o grande abismo? Podes então reformar-nos através de
admoestações acerca de vícios particulares. Venha, porém, a “justiça que é de
Deus pela fé”, e então as ondas orgulhosas serão quebradas e detidas. Nada,
senão essa doutrina pode fechar a boca àqueles que se “gloriam em seu opróbrio
e abertamente negam o Senhor que os resgatou”. Podem eles falar tão
sublimemente da lei como os que a têm escrita por Deus em seu coração.
Ouvindo-os tratar desta matéria, alguém seria tentado a pensar que eles não
estivessem muito longe do Reino de Deus: mas, que sejam transportados da Lei
para o Evangelho; comece com a justificação pela fé; com Cristo, “o fim da lei
para todo aquele que crê”; e os que agora aparecem como mais ou menos, senão
integralmente, cristãos, logo se declaram filhos da perdição — tão distanciados da vida e da bem-aventurança
(Deus seja misericordioso para com eles!) como o abismo do inferno está longe
das alturas do céu!
9.
Por esta razão o adversário se irrita todas as vezes que se prega ao mundo
a “salvação pela fé”: por esta razão o adversário agitou toda a terra e o
inferno, na ânsia de destruir os que primeiro pregaram a “justificação pela
fé”. E pela mesma razão, conhecendo que só aquela fé poderia subverter os
fundamento de seu reino, reuniu todas a suas forças e empregou todas as suas
artes da mentira e tia calúnia para demover Martinho Lutero do intento de
reviver tal doutrina. Nem podemos maravilhar-nos disto, porque, como observa
aquele homem de Deus, “não podia deixar de irar-se o homem orgulhoso, forte e
para ele marcha, tendo nas mãos um caniço”. Esse furor cresce de vulto quando o
adversário sabe que essa criancinha certamente o derrotará, colocando-o debaixo
dos pés. Em casos tais, Senhor Jesus, tua força tem sido sempre “aperfeiçoada
na fraqueza”!
Vai
com coragem, criancinha que crês em Cristo, a sua “mão direita te mostrará
terríveis coisas!” Embora estejas desamparado e sejas fraco como um
recém-nascido, o homem forte não será capaz de permanecer em face de ti. Tu
prevalecerás contra ele, e o subjugarás, e o dominarás, e o porás debaixo de
teus pés.
Sob o comando do grande Capitão
de tua salvação, marcharás “conquistando e vencendo”, até que todos os teus
inimigos sejam aniquilados e “a morte seja tragada na vitória”.
Agora,
“graças sejam dadas a Deus, que nos deu a vitória por nosso Senhor Jesus
Cristo”, a quem, com o Pai e o Espírito Santo, sejam a bênção, a glória, a
sabedoria, os louvores, a” honras, o poder, a força, para todo o sempre! Amém.
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