domingo, 11 de novembro de 2012

Necessário nos é nascer de novo




Martinho Lutero

Texto: João 3:1-16  “E HAVIA entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais, que tu fazes, se Deus não for com ele. Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade, te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre da sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na verdade, na verdade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz; não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito. Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso? Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não sabes isto? Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos, e não aceitais o nosso testemunho. Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis se vos falar das celestiais? Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu. E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”
         Como alcançar a salvação, pergunta-a capital da humanidade? Hoje ainda não vos foi explicado o Evangelho. Escreve o evangelista São João que certo fariseu de nome Nicodemos foi ter de noite com o Senhor e teve com Ele uma conversa, e Cristo, por sua vez, pregou-lhe um sermão, com o qual aquele homem piedoso realmente não sabia o que fazer: quanto mais ouvia, menos entendia.
         Sobre esta história prega-se em cada ano. Mas, como hoje lhe toca o turno novamente, falaremos uma vez mais acerca dela. Desde que o mundo existe, os sábios que há nele perguntam-se: "De que maneira se pode alcançar a justiça e a bem-aventurança?" Esta questão discutiu-se desde que há homens na terra, e continuar-se-á discutindo até que o mundo chegue ao seu fim. Até nos nossos dias atuais podeis ver com quanto ardor debatemos este assunto. Todos creem estar em condições de emitir um juízo; mas com o seu julgamento revelam também a sua ignorância. Esta mesma questão, como nos informa o Evangelho para o dia de hoje, Cristo tratou-a com um homem que, falando em termos da lei judaica, era uma pessoa corretíssima e muito instruída.
         Aquele homem quer discutir acerca do que devemos fazer e como devemos viver para ser salvos, e espera que Cristo lhe dê uma resposta. "Porque Tu", diz-lhe ele, "és um Mestre vindo de Deus; pois os sinais que Tu fazes ultrapassam a capacidade de qualquer ser humano. Nós, os fariseus, ensinamos, no campo do espiritual, a lei do Moisés. Opinas que há algo de melhor que se possa recomendar às pessoas?" Surge assim na discussão entre ambos a pergunta acerca das obras, ou seja, a vida perfeita — a pergunta que inquieta os homens de todas as gerações.
1. Aquele que tenta chegar à salvação pelo caminho das obras, não a alcançará.
         Já os antigos romanos refletiram com muita seriedade acerca de qual era o caminho reto a seguir, acerca de como, por exemplo, se devia dirigir corretamente o lar e a família. O seu interesse dirigia-se acima de tudo à determinação exata do que exige a "justiça". Mas, com isto meteram-se num problema que não tem solução, como o tiveram que admitir eles mesmo: "Excesso de justiça, excesso de injustiça". Por que motivou? Porque a "justiça" no sentido estrito da palavra está fora do nosso alcance. Por isso há que procurar o caminho do meio e adaptar-se às circunstâncias. Neste sentido costuma-se dizer também: "Acertou como os atiradores quando dão no alvo", quer dizer, não graças à sua pontaria, mas graças a um impacto fortuito. Pois bom atirador, e até ganhador eventual, é também aquele cujo tiro, sem dar diretamente no alvo, é o que chegou mais perto dele. Assim o reconhecem até os juristas. Têm de dar-se por satisfeitos com o seu governo e com a sua administração da coisa pública os que conseguem que ninguém inflija a outro com injustiças demasiado grosseiras, mesmo que se torne impossível acertar, e aplicar rigidamente, a justiça na sua forma pura.
         Mas quando chega ao poder um desses iludidos deslocados, só causa alvoroço, distúrbios e dissensões. Assim, toda autoridade secular tem de ater-se ao que é factível. Não obstante, a razão queria chegar à salvação ou a uma ordem política perfeita pela via da justiça. Mas tal coisa é impossível. O que fazer então? Dir-se-ia que quase acontece como com aquele que queria cruzar uma alta montanha, e ao não poder fazê-lo, exclamou: "Pois bem, ficarei aqui". Entretanto, Cristo diz-nos: "Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus." (Mateus 5:20. Ali, no sermão do monte, o Senhor explica o que é o verdadeiro cumprimento da lei, e o que significa acertar no alvo: Não irar-se, nem mesmo no recôndito do coração; não cobiçar nem em pensamentos a mulher ou os bens de nosso próximo. Aí nos coloca perante os olhos a justiça na sua forma mais perfeita. E apesar de tudo, os homens creem poder alcançá-la mediante o cumprimento da lei. "Não queremos nem pretendemos", dizem, "acertar tão exatamente no alvo"; se o conseguirem com certa aproximação, têm-se por desculpados. Nós, porém, vamos nos apegar ao que nos ensina Cristo: "Ninguém pode ver o reino de Deus a menos que tenha acertado no alvo". E no Apocalipse lemos: "Neste tabernáculo não entrará nenhum imundo". O que temos de fazer, pois? Exclamaremos também nós: "Teremos de ficar aqui em baixo, não podemos cruzar a montanha"?
         Tampouco Nicodemos sabe outra coisa que isto: "Eu sou uma pessoa correta, vivo piedosamente conforme a lei, e transito pela senda que conduz ao céu". E agora quer que este Mestre lhe expresse a Sua aprovação ou desaprovação — embora não queira pensar nesta última situação, antes espera que o Senhor lhe responda: "Sim, Nicodemos: tu és perfeito, mais ainda: tu já és bem-aventurado, e os outros também entrariam no reino dos céus se fizessem como tu." Porém, ocorre precisamente o contrário: Cristo expulsa-o a pontapés do reino dos céus: "Por certo, és um bom homem. Mas se não nasceres de novo, a tua justiça não te servirá de nada." O "nascer de novo": esta é a justiça na qual insistimos tanto na nossa pregação. Ou seja: Cristo não tem a intenção de rechaçar a lei; mas antes, quer que ele seja cumprida. "Mas", diz, "a forma como vós a cumpris, não tem validez; cumpris a lei só na vossa imaginação, mas não de verdade. Os 10 Mandamentos são irrepreensíveis, e quero que os cumpram. Quem quiser entrar no céu, tem de cumpri-los. Mas com o vosso conceito de “direito” e com a vossa justiça não os estais cumprindo." Não temos outra justiça melhor que a que resultaria do meu cumprimento de tudo o que é mandado nas duas tábuas da lei do Moisés, então seríamos "justos" — mas justos só conforme a justiça dos fariseus, não conforme à justiça exigida pela lei.

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