Wesley
“Pela graça sois salvos mediante
a fé”. (Efésios 2.8)
1. TODAS as bênçãos que Deus
comunica ao homem vêm de sua mera graça, munificência ou favor; de sua livre,
imerecida benevolência, representando graça inteiramente espontânea, visto
nenhum direito ter o homem à menor clemência por parte da Divindade. Foi a
livre graça que “formou o homem do pó da terra e nele soprou a alma vivente”,
estampando nessa alma a imagem de Deus e “sujeitando todas as coisas debaixo de
seus pés”. A mesma graça chega até nós, neste dia, traduzindo-se em vida,
respiração e todas as coisas. Nada do que somos, ou possuímos, ou realizamos,
merece o mínimo favor das mãos de Deus. “Todas as nossas obras, ó Deus, tu as
operaste em nós”. Assim, elas são outras tantas manifestações de livre
misericórdia; e, qualquer que seja a justiça que se encontre no homem, ainda
será também uma dádiva de Deus.
2. Com que fará o pecador
propiciação pelo menor de seus pecados? Com suas obras? Não. Ainda que estas
sejam muitas e sejam santas, não lhe pertencem, mas são de Deus. Na verdade
todas essas obras são ímpias e pecaminosas, reclamando nova propiciação.
Somente frutos corrompidos pendem de uma árvore corrupta. E o coração do homem
é ao mesmo tempo corrupto e abominável, estando “desprovido da glória de Deus”—
a justiça gloriosa de inicio impressa em sua alma, segundo a imagem de seu
grande Criador.
Assim, pois, nada tendo, nem justiça
nem obras, que alegar, seus lábios inteiramente se calam diante de Deus.
3. Se o homem pecaminoso acha, pois, favor à vista de
Deus, isto vem a ser “graça sobre graça!” Se Deus ainda concede que desçam
sobre nós outras bênçãos e, ademais, a maior de todas, que é a salvação, que,
podemos dizer a essas coisas, senão repetir: “Graças sejam dadas a Deus por seu
dom inefável!” E assim é. Nisto “Deus recomenda seu amor para conosco, em que,
quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu para salvar-nos. “Pela graça”,
pois, “sois salvos mediante a fé”. A graça é a fonte; a condição é a fé.
Para não
decairmos da graça de Deus, cabe-nos inquirir cuidadosamente:
I. Qual é
a fé mediante a qual somos salvos.
II. Qual
é a salvação que é mediante a fé.
III. Como
podemos responder a certas objeções.
I Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
1. Em primeiro lugar, não é
meramente a fé dos pagãos.
Deus exige que o pagão creia que “Deus
existe e que é remunerador dos que o buscam”; que essa procura diligente se
faça, glorificando-o como a Deus, dando-lhe graças por todas as coisas e
praticando cuidadosamente a virtude moral, a justiça, a misericórdia e a
verdade para com seus semelhantes. O grego ou o romano, o cita ou o indiano,
não teria, portanto, nenhuma desculpa, se não acreditasse suficientemente
nisto: o Ser e atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição e o
caráter obrigatório da virtude moral. Este é simplesmente o credo de um pagão.
2.
Não é, também, em segundo lugar,
a fé do demônio, embora ela vá multo além da dos pagãos. O demônio crê não
somente que há um Deus poderoso e sábio, gracioso no recompensar e justo no
punir, mas também crê que Jesus é o Filho de Deus, o Cristo, o Salvador do
mundo. Encontramo-lo, de fato, declarando, em termos categóricos: “Bem sei quem
és: tu és o Santo de Deus” (Lucas 4.34). Nem podemos duvidar de que o infeliz
espírito creia em todas as palavras que saíram dos lábios do Santo e mais em
quaisquer outras que foram escritas pelos homens santos do passado, acerca de
dois dos quais ele fora compelido àquele glorioso testemunho: “Estes homens são
servos do Altíssimo, que vos mostram o caminho da Salvação”. Não é demais,
pois, que o grande inimigo de Deus e dos homens creia e, crendo, estremeça, –
que Deus se manifestou em carne; que “submeterá todos os inimigos debaixo dos
pés”; e que “toda Escritura foi dada por inspiração de Deus”. Até aí vai a fé
do demônio.
3.
Em terceiro lugar: a fé mediante a qual somos salvos, no sentido em que a
Palavra será mais adiante explanada, não é meramente a que nutriam os
apóstolos, quando Cristo estava ainda sobre a terra, muito embora nele cressem
a ponto “de deixarem tudo para segui-lo”; embora tivessem já nesse tempo o
poder de operar milagres, de “curar todas as espécies de doença e toda forma de
enfermidade”; embora tivessem “poder e autoridade sobre os demônios”, e, o que
vale mais que tudo isso, fossem enviados por seu Mestre a “pregar o Reino de
Deus”.
4.
Qual é a fé mediante a qual somos salvos? Pode-se responder, de modo geral,
que é, primeiro, a fé em Cristo: Cristo e Deus através de Cristo são os próprios
fundamentos dessa fé. Nisto se distingue ela suficientemente, absolutamente, da
fé, seja dos antigos ou dos modernos pagãos. Da fé que possui o demônio ela se
distingue por isto: não é uma coisa meramente especulativa, racional, um
assentimento frio e morto, uma série de ideias que se amontoam na cabeça, mas
uma disposição do coração. Por isso diz a Escritura: “Com o coração o homem crê
para a justiça”; e: “se tu confessares com tua boca o Senhor Jesus, e creres em
teu coração que Deus o levantou dentre os mortos, serás salvo”.
5.
Nisto ela difere daquela fé que os próprios apóstolos nutriam enquanto
nosso Senhor estava na terra: reconhece a necessidade e os méritos de sua morte
e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como o único meio suficiente
de redimir o homem da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de
todos nós à vida e imortalidade, tanto mais que ele “foi entregue por nossos pecados e
ressurgiu para nossa justificação”. A fé cristã é, portanto, não só um
assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas também plena confiança no sangue
de Cristo; confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição; descanso
nele como nossa propiciação e nossa vida — vida divina que foi dada por nós e
vive em nós; e, em consequência disto, união com ele, adesão à sua pessoa, coma
“nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção”, ou, numa palavra, — nossa
Salvação.
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