quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O QUE DEVO LER? UMA PERGUNTA PARA OS NOSSOS TEMPOS



Mackintosh

         A pergunta que constitui o título do presente artigo é de significativo peso e de uma grande importância prática. Ela encerra muito mais do que talvez estaríamos dispostos a admitir. Um conhecido refrão diz: «Diz-me com quem andas, e dir-te-ei quem és.» Também poderíamos dizer, com igual verdade: «Mostra-me a tua biblioteca e dir-te-ei como te encontras». As nossas leituras, geralmente, podem tomar-se como o grande indicador da nossa condição moral, intelectual e espiritual. Os nossos livros constituem o nosso alimento intelectual e espiritual, a substância da qual se nutre o homem interior. Daqui a seriedade de toda esta questão das leituras do crente. Na verdade, devemos confessar abertamente aos nossos leitores que este assunto nos tem trazido bastante preocupados ultimamente; e nos sentimos constrangidos —por fidelidade ao Senhor e às almas dos nossos leitores— a oferecer umas palavras de advertência a respeito de um tema que não podemos senão considerá-lo de verdadeira importância para todos os cristãos.
         Observamos, com profunda consternação, um crescente desinteresse pela leitura de livros sólidos, especialmente entre os jovens crentes, ainda que por desgraça não se limita somente a eles. Jornais, novelas religiosas, obras sensacionalistas, todo o tipo de literatura venenosa e desprezível é devorada com avidez; enquanto que os livros de importantíssimas e preciosíssimas verdades jazem intactos e abandonados nas estantes.
         Cremos que tudo isto é muito lamentável. Consideramo-lo como um alarmante sinal de uma condição espiritual decadente. É certamente difícil conceber como alguém que possui ainda que seja uma pitada de vida divina pode achar prazer em toda essa imundícia  poluente que abunda hoje em dia e que tristemente vemos nas mãos de muitos que ocupam o mais alto terreno da religião cristã. O inspirado Apóstolo exorta a todos os cristãos com estas palavras: “Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo. ” Como podemos crescer se descuidamos a Palavra de Deus e, por outro lado, devoramos periódicos e livros supérfluos, sem valor? Como é possível que um cristão se encontre numa saudável condição de alma quando apenas dedica alguns poucos momentos para folhear com pressa um ou dois versículos da Escritura, enquanto que se aplica durante horas a leituras triviais e efêmeras? Podemos estar seguros de que as nossas leituras reflectem quem somos e como estamos. Se a nossa leitura é fútil e frívola, ela prova que o nosso estado também o é. Se o nosso cristianismo é de caráter sólido e diligente, ele será claramente evidenciado pelas nossas leituras habituais e voluntárias, pelo tipo de leitura que procuramos para a nossa recreação e refrigério.
         Pode ser que alguns arguem: «Não podemos estar lendo sempre a Bíblia e bons livros». A isto contestamos, de forma resoluta e enfática: a nova natureza nunca terá interesse por ler qualquer outra coisa. Pois bem; pergunto: A quem desejamos alimentar: à velha natureza ou à nova? Se à nova, então podemos estar seguros de que os periódicos e a literatura leviana não podem ser utilizados para tal fim. É absolutamente impossível que um cristão verdadeiramente espiritual e sério possa achar algum prazer com tais leituras. Pode suceder que um cristão, pelo tipo de atividades que desenvolve —quer seja no campo comercial, profissional ou público— se veja obrigado a remeter-se aos periódicos. Mas, isto é algo completamente diferente a achar o seu verdadeiro deleite e recreação nesse tipo de leitura. Não encontrará o maná oculto nem o grão da terra de Canaã nos jornais. Não achará a Cristo nas revistas mundanas.
         É algo miserável e desgraçado ouvir um cristão dizer: «Como podemos estar sempre lendo a Bíblia?» ou «Que tem de mal ler uma revista ou uma historieta?» Estas perguntas demonstram de forma lamentável que a alma se tem afastado de Cristo. Isto é o que faz tão sério o nosso tema. Antes que um qualquer cristão tenha sido capaz de formular esse tipo de perguntas, teve de ter ocorrido uma alarmante e agravante declinação espiritual. Por isso, não servirá de muito expor se as coisas estão bem ou estão mal, pois não há capacidade para julgar corretamente; faltam as atitudes espirituais para sopesar as coisas. Isto deve-se a que toda a condição moral e espiritual se acha mal. “Há morte na panela! Do que realmente se necessita é de uma completa restauração da alma. Têm de “trazer farinha ” ou, por outras palavras, aplicar um remédio divino para contra-arrestar a enfermidade.
         Sentimo-nos constrangidos em espírito a chamar muito a atenção do leitor cristão a respeito desta grande questão prática. Consideramo-la como uma das questões mais importantes do nosso tempo. Não podemos duvidar de que o tão profundamente baixo tom espiritual da nossa vida cristã se deve, em muitos casos, à leitura de literatura supérflua e inútil. O efeito moral de tudo isto é muito pernicioso. Como pode uma alma prosperar, como pode haver crescimento na vida divina, quando não há um verdadeiro amor pela Bíblia ou por livros que desenvolvem o seu precioso conteúdo para as nossas almas?
         É possível que um cristão se encontre numa saudável condição de alma quando na realidade prefere alguma obra trivial em lugar de um livro destinado à verdadeira edificação espiritual? Não o cremos nem o poderíamos crer. Estamos persuadidos de que todo o cristão sincero e sério —todo aquele que de coração deseja compenetrar-se nas coisas divinas, que ama realmente a Cristo e que suspira pelo Céu e pelas coisas de cima— se aplicará com diligência à leitura das santas Escrituras e procurará deitar mão de todo o livro bom e proveitoso. Estes cristãos não terão tempo para ler os jornais nem qualquer outro tipo de literatura leviana; nem tão-pouco terão afeição por estas coisas. A eles não se suscita a questão de se está bem ou se está mal este ou aquele tipo de leitura; simplesmente não a desejam nem a desejariam, pois têm algo muitíssimo melhor. Tragaríamos cinzas se tivéssemos para comer saborosíssimos manjares?
         Confiamos em que os nossos leitores nos deverão compreendermos quando escrevemos desta forma tão clara e direta. Sentimo-nos realmente constrangidos a fazê-lo em vista do Tribunal de Cristo. E só podemos dizer que quereríamos poder escrever acerca deste tema tão vigorosamente como o sentimos. Consideramo-lo como um dos temas mais importantes e práticos que possam ocupar a nossa atenção. Instamos os leitores cristãos a evitar e a desaprovar toda a literatura fútil. Quando estivermos para lançar a mão a algum livro ou revista, coloquemo-nos as seguintes perguntas: «Gostaria de que quando o meu Senhor vier, me encontrasse com isto na mão?». «Poderia pegar nisto na presença de Deus e pedir-Lhe que abençoasse a sua leitura?». «Posso ler isto para glória do Nome de Jesus?». Se não podemos contestar afirmativamente a estas perguntas, então, pela graça de Deus, fujamos destes livros e dediquemos os nossos tempos livres à bendita Palavra de Deus ou a alguma obra espiritual que se relacione com ela. Então, as nossas almas se verão nutridas e fortalecidas. Cresceremos na graça, no conhecimento e no amor de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Então, os frutos da justiça abundarão na nossa vida prática, para glória de Deus.
         Pode ser, não obstante, que alguns dos nossos amigos repudiem por completo o hábito de ler escritos humanos. Há quem assuma a postura de não ler nada exceto a Bíblia. Eles dizem-nos que encontram nesse Livro incomparável tudo o que lhes faz falta, e que os escritos humanos são mais um estorvo do que uma ajuda.
         Bem, quanto a isto, cada um deve julgar por si mesmo. Ninguém pode ser uma regra para os outros. No que a nós nos diz respeito, não podemos, na verdade, assumir este elevado terreno. Bendizemos em cada dia o Senhor, mais e mais, por toda a benévola ajuda que nos brinda através dos escritos dos seus amados servos. Consideramo-los como uma preciosíssima corrente de refrigério e bênção espiritual que brota da nossa glorificada Cabeça nos Céus, e pelo qual A poderíamos louvar suficientemente. Ocorrer-nos-ia deixar de ouvir um irmão na Assembleia da mesma forma que nos recusaríamos a ler os seus escritos? Não são estes dois ramos do ministério — o oral e o escrito— um dom de Deus, para o nosso proveito e edificação?
         Sem dúvida, temos de exercitar um zeloso cuidado a fim de não dar uma importância desmedida ao ministério, quer seja oral ou escrito. Mas, o possível abuso de uma coisa não constitui nenhum argumento válido contra o uso da mesma. Há o perigo de ambos lados; e seguramente é algo muito perigoso desapreciar o ministério. Nenhum de nós é auto-suficiente. O propósito de Deus é que sejamos uma ajuda uns para com os outros. Não podemos prescindir de nenhuma “das juntas, que se ajudam mutuamente ”. Quantos terão de louvar a Deus durante a eternidade por causa da bênção que receberam por meio de livros e tratados! Quantos há que jamais obtiveram uma pitada do ministério espiritual, salvo o que o Senhor lhes enviou mediante a palavra impressa! Dir-se-á: «Eles têm a Bíblia». É certo; mas, nem todos têm a mesma capacidade para sondar as viventes profundidades das Escrituras nem de discernir as suas glórias morais.
         Não há dúvida de que, se não tivéssemos ministério oral nem escrito, o Espírito Santo poderia alimentarmo-nos diretamente com os verdes pastos das santas Escrituras. Mas, quem se atreveria a negar que os escritos dos servos de Deus constituem um meio poderosíssimo nas mãos do Espírito Santo para a edificação do povo do Senhor na sua santíssima fé? É nossa firme convicção que Deus empregou mais este meio durante os últimos quarenta anos que durante toda a História da Igreja 
         E, não devemos louvar a Deus por isso? Por certo que sim. Devemos louvá-Lo com corações transbordantes e ardentes; e deveríamos elevar as nossas orações a Deus com veemência para que conceda ainda mais bênçãos aos escritos de Seus servos; para que aprofunde o seu tom, acrescente o seu poder e amplie o seu âmbito de ação. Os escritos humanos, senão estão revestidos do poder do Espírito Santo, não são más que papel de desperdício. Do mesmo modo, a voz do pregador ou do professor em público, se não for o veículo vivente do Espírito Santo, não será mais que “o metal que soa ou como o sino que tine.”
         Mas o Espírito Santo serve-se de ambos os meios para a bênção das almas e a difusão da verdade; e consideramos que é um grave erro desestimar um meio que Deus Se tem prazido adotar. De fato, temos de confessar que raramente temos encontrado alguém que recuse a ajuda que nos brindam os escritos humanos e que não evidencie ser excessivamente estreito de vistas, tosco e extremista. Não poderíamos esperar outra coisa, pois o método divino é que sirvamos de ajuda uns aos outros; daí que, se alguém pretende ser independente ou auto-suficiente, deverá, mais cedo ou mais tarde, dar-se conta do seu erro.


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