Alleine
(1)
Salvar os homens em seus pecados, seria ir contra a Sua fidelidade. O Mediador
é o servo do Pai, apresenta o encargo que o Pai Lhe deu, age em nome Dele, e
pleiteia a ordem dEle para Sua justificação (João 10:18,36; João 6:38,40). Deus
O encarregou de tudo, confiou-Lhe a Sua própria glória e a salvação de Seus
eleitos (Mateus 11:27; João 17:2). Assim, antes de deixar o mundo, Cristo
apresenta ao Pai um relato de ambas as partes daquilo que Ele Lhe confiou (João
17). Ora, Cristo iria impedir completamente a glória do Pai, empanar o Seu
maior crédito, se Ele salvasse os homens que estivessem em pecado; pois isso
iria derrubar todos os Seus juízos e profanar a todos os Seus atributos.
Iria
derrubar todos os juízos de Deus, cuja ordem é que os homens sejam levados à
salvação através da santificação (II Tessalonicenses 2:13). Ele os escolheu
para que fossem santos (Efésios 1:4). São eleitos para o perdão e para a vida,
através da santificação (I Pedro 1:2). Se vocês puderem anular a lei dos
imutáveis juízos de Deus ou corromper Aquele que o Pai selou, fazendo com que
vá frontalmente contra o Seu mandamento, então poderão ir para o Céu na
condição em que se encontram. Mas, esperar que Cristo os salve enquanto não
forem convertidos, é esperar que Ele Se revele infiel ao Seu encargo. Ele
jamais salvou nem salvará uma alma que não Lhe tenha sido dada pelo Pai na
eleição, e levada a Ele por um chamamento eficaz (João 6:37,44). Estejam certos
de que Cristo não salvará pessoa alguma de forma contrária à vontade do Pai.
Salvar
os homens em seus pecados, significaria profanar todos os atributos de Deus.
A
Sua justiça. A justiça do julgamento de Deus está em retribuir a todos
segundo as suas obras. Ora, se os homens semeassem para a carne e colhessem do
Espírito vida eterna, onde ficaria a glória da justiça divina, uma vez que
seria dada ao ímpio tal qual é dada ao justo?
A
Sua santidade. Se Deus não apenas salvasse os pecadores, mas os salvasse em
seus pecados, Sua tão pura e irrepreensível santidade seria extremamente
deturpada. Aos olhos santíssimos de Deus, aqueles que ainda não foram
santificados são piores do que um porco ou do que uma víbora. Seria uma extrema
profanação da infinita pureza da pessoa de Deus, permitir que tais elementos
habitassem com Ele. Eles não podem suportar o Seu julgamento e não poderiam
permanecer na presença Dele. Se Davi que era santo não aguentou tal coisa em
sua casa, nem mesmo diante de seus olhos (Salmo 101:3,7), como podemos pensar
que Deus a pode suportar? Se Deus pegasse os homens no estado em que estão e os
tirasse do lamaçal de sua imundícia para a glória do Céu, o mundo iria pensar
que Deus não está a uma distância muito grande do pecado nem que sente
repugnância por ele, como nos é dito que Ele sente. O mundo estaria pronto a concluir
que Deus seria exatamente igual a qualquer homem, como alguns dos antigos
impiamente concluíram, por causa da paciência Dele. (Salmo 50:21).
A
Sua veracidade. Deus declarou lá do Céu que se alguém dissesse que teria
paz, embora andasse segundo o parecer do seu coração, Sua ira fumegaria contra
aquela pessoa (Deuteronômio 29:19-20). Ele declarou que somente aqueles que
confessassem e deixassem os seus pecados achariam misericórdia (Provérbios
28:13). Ele declarou que somente aqueles que fossem limpos de mão e puros de
coração subiriam ao Seu monte e entrariam no Seu santuário (Salmo 24:3-4). Onde
estaria a verdade de Deus se, apesar disso tudo, Ele conduzisse os homens à
salvação, sem conversão? Ó pecador desesperado, que se atreve a esperar que Cristo
fará Seu Pai mentiroso e anulará a Palavra Dele para salvá-lo!
A
Sua sabedoria. Isto seria o mesmo que lançar as mais preciosas
misericórdias sobre aqueles que não dão qualquer valor a elas, nem seriam de
modo algum dignos delas.
Eles não dariam valor a elas. O
pecador ainda não santificado dá pouca importância à grande salvação de Deus.
Ele não dá maior valor a Cristo do que os sadios dão ao médico. Ele não
valoriza o Seu bálsamo, não valoriza a Sua cura, mas pisa no Seu sangue. Ora,
seria sábio forçar o perdão e a vida àqueles que não iriam manifestar qualquer
agradecimento? Será que o Deus sapientíssimo, que nos proibiu de fazê-lo, iria
lançar as Suas coisas santas aos cães e as Suas pérolas aos porcos, os quais
não iriam fazer outra coisa senão voltar-se novamente e dilacerá-lO? Isto
seria, realmente, fazer com que a misericórdia fosse desprezada. A sabedoria
requer que a vida seja dada conforme a honra de Deus, e que Deus cuide da Sua
glória, bem como da felicidade do homem. Seria uma desonra para Deus outorgar
as Suas mais preciosas riquezas àqueles que têm maior prazer nos seus pecados
do que nos deleites celestiais que Ele oferece. Deus perderia o louvor e a
glória da Sua graça, se Ele a lançasse sobre aqueles que não apenas são
indignos dela, mas também não a desejam.
Além
disso, as misericórdias de Deus não são próprias para os não convertidos. A
sabedoria de Deus é vista em coisas que são próprias umas às outras: os meios
aos fins; o objetivo ao poder de realização; a qualidade do dom à capacidade do
receptor. Ora, se Cristo levasse o pecador não regenerado para o Céu, esse
pecador sentir-se-ia tão mal ali como um animal que fosse levado à bonita sala
de uma sociedade de homens eruditos, uma vez que a pobre criatura preferiria
estar pastando com os seus companheiros no campo. Digam-me: o que um homem não
santificado faria no Céu? Não poderia ficar contente lá porque nada é
apropriado para ele. O lugar não lhe convém e sentir-se-ia completamente
deslocado, como um peixe fora d'água. A companhia não poderia agradá-lo, pois
que comunhão têm as trevas com a luz? A corrupção com a perfeição? A baixeza e
o pecado com a glória e a imortalidade? O trabalho ali não lhe agradaria, pois
os cânticos do Céu não se adaptam à sua boca nem agradam aos seus ouvidos. Quem
poderia cativar um jumento com a música ou levá-lo para junto do seu órgão e
esperar que ele produza uma melodia ou mantenha o ritmo com um coral
harmonioso? Se ele tivesse habilidade, não teria vontade para fazer tal coisa
e, portanto, não teria prazer nisso. Seria uma ofensa para um doente
enfraquecido pôr diante dele uma mesa repleta de iguarias deliciosas. Se o
pobre pecador considera um sermão muito longo e comenta sobre um culto:
"que canseira!", imagine quão miserável ele se sentiria ao pensar na
eventualidade de estar engajado num culto eterno!
A
Sua imutabilidade, ou a Sua onisciência ou a Sua onipotência. Está aprovado
no Céu e registrado no decreto da corte celestial, que somente os limpos de
coração verão a Deus (Mateus 5:8). Ora, se Cristo levar não convertidos para o
Céu sem o conhecimento do Pai, onde estará a onisciência de Deus? Se Ele os
levar contra a vontade do Pai, onde estará a onipotência de Deus? Ou se Ele
tiver que mudar a vontade do Pai, onde estará a imutabilidade de Deus?
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