Alleine
(2)
A esperança da salvação na vida futura é vã. Essa esperança é a mais ofensiva a
Deus e a mais perniciosa para você. Nessa esperança há morte, desespero e
blasfêmia.
Reitero:
há morte nela. A sua confiança, ó homem, será arrancada dos seus tabernáculos,
Deus a arrancará com raízes e ramos; ela o conduzirá ao rei dos terrores (Job
18:14). Embora você possa encostar-se nessa casa, ela não resistirá; ao
contrário, provará ser como um edifício arruinado que, quando o homem põe nele
a sua confiança, desmorona em cima dele (Jó 8:15).
Há
desespero nessa esperança. "... qual será a esperança do hipócrita...,
quando Deus lhe arrancar a sua alma?" (Jó 27:8). Então há um fim eterno
para essa esperança. De fato, a esperança do justo tem um fim, mas não se trata
de um fim destruidor, e sim de um fim aperfeiçoador. A sua esperança termina em
gozo; a de outros, em frustração. O homem justo, no momento da morte, diz:
"Está acabado"; mas o ímpio diz: "Está perdido", e pode, sinceramente,
lamentar-se como Jó (embora esse o tenha feito por equívoco) na sua situação:
"Onde está a minha esperança? "Quebrou-me de todos os lados, e eu me
vou; e arrancou a minha esperança, como a uma árvore". (Jó 19:10)
"... o justo até na sua morte tem esperança". (Provérbios 14:32).
Quando
a natureza está agonizando, as esperanças do justo estão vivas; quando o corpo
está desfalecendo, as esperanças estão florescendo; a esperança do justo é uma
esperança viva, mas a de outros é uma esperança morta, condenadora, que destrói
a alma. "Morrendo o homem ímpio perece a sua expectação, e a esperança dos
injustos se perde". (Provérbios 11:7). Tal esperança fica frustrada e
mostrará que é como uma teia de aranha (Job 8:41), que gera de suas próprias
entranhas; mas então chega a morte e destrói tudo e há, portanto, um fim eterno
da sua confiança, na qual se firmava. "Os olhos dos ímpios desfalecerão, e
perecerá o seu refúgio; e a sua esperança será o expirar da alma". (Jó
11:20). Os ímpios fixam-se na sua esperança carnal, e não se apartarão dela; eles
seguram-na firmemente, não deixarão que ela se vá; mas a morte a arrancará dos
seus dedos. Embora não possamos desenganá-los, a morte e o julgamento o farão.
Quando a morte arremessar o seu dardo através do seu fígado, destruirá num só
golpe a sua alma e as suas esperanças. Os ímpios têm esperança apenas nesta
vida e, portanto, são os mais miseráveis de todos os homens. Quando a morte
chega, deixa-os no espantoso abismo do infindável desespero.
Há
blasfêmia nessa esperança. Esperar que sejamos salvos apesar de continuarmos
não convertidos, é esperar que provemos que Deus é mentiroso. Misericordioso e
compassivo como é, Deus tem-lhes dito que jamais os salvará se continuarem nos
caminhos da ignorância e da injustiça. Em suma: Ele tem lhes dito que não importa
o que sejam ou façam, nada lhes garantirá a salvação, a menos que se tornem
novas criaturas. Ora, dizer que Deus é misericordioso e que Ele nos salvará sem
conversão, é o mesmo que dizer: "Esperamos que Deus não cumpra aquilo que
Ele diz." Não podemos pôr em antagonismo os atributos de Deus. Ele decidiu
glorificar a Sua misericórdia mas sem prejudicar a Sua verdade, fato que o
pecado presunçoso descobrirá para seu desespero eterno.
Objeção:
mas nós esperamos em Jesus Cristo. Colocamos toda a nossa confiança em Deus,
portanto não há dúvida de que seremos salvos.
Resposta:
isso não é esperar em Cristo, mas esperar contra Cristo. Esperar ver o reino de
Deus sem nascer de novo, esperar achar a vida eterna no caminho largo, é
esperar que Cristo Se revele um falso profeta. O clamor do salmista é:
"... mas confiei na tua palavra." (Salmo 119:81). Mas a esperança do
opositor é contra a Palavra de Deus. Mostre-me uma palavra de Cristo que
sustente a sua esperança de que Ele o salvará na ignorância ou na negligência
profana do Seu serviço, e eu jamais tentarei abalar a sua confiança.
Deus
rejeita essa esperança com repugnância. Os que foram condenados pelo profeta,
continuaram em seus pecados; contudo, diz o profeta: "... e ainda se
encostam ao Senhor. . ." (Miquéias 3:11). Deus não suportará ser
transformado em esteio para o homem em seus pecados. O Senhor rejeitou aqueles
pecadores arrogantes que continuaram nas suas transgressões e ainda se apoiavam
no Deus de Israel, da mesma forma que se sacode o pó que adere à roupa.
Se
a sua esperança vale alguma coisa, ela os purificará de seus pecados (I João
3:3), mas maldita é a esperança que acalenta o homem em seus pecados.
Objeção:
então, quer que caiamos no desespero?
Resposta:
vocês devem perder a esperança de ir para o Céu do jeito que estão, isto é,
enquanto não forem convertidos. Devem perder a esperança de ver a face de Deus,
sem santificação. Mas não devem, de modo algum, desesperar de achar
misericórdia se se arrependerem e forem convertidos. Nem precisam desesperar de
alcançar arrependimento e conversão se usarem os meios de Deus.
5.
Sem a conversão, tudo que Cristo fez e sofreu será em vão para vocês. A Sua
obra não vai ajudá-los, de forma alguma, para obterem a salvação. Muitos alegam
que o fato de Cristo haver morrido pelos pecadores é uma base suficiente para a
salvação deles; mas devo dizer-lhes que Cristo jamais morreu para salvar
pecadores impenitentes e não convertidos. Um notável teólogo costumava fazer
duas perguntas ao tratar particularmente com as almas: "O que Cristo fez
para você? O que Cristo realizou em você?" Sem a atuação do Espírito na
regeneração, não temos participação nos benefícios da redenção. Digo-lhes, da
parte de Deus, que o próprio Cristo não pode salvá-los se continuarem nesse estado.
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