Mas Jó precisava de ser provado.
Abrigava no seu coração uma profunda raiz moral que tinha de ser manifestada à
luz; uma justiça própria que tinha de sair à superfície e ser julgada. Podemos,
com efeito, vislumbrar esta raiz nos versículos que acabamos de ler. Ele diz:
“Talvez pecaram meus filhos” (Jó 1:5). Não parece ter contemplado a
possibilidade de que ele mesmo tenha cometido algum pecado. Uma alma que
realmente se julgou a si mesma, uma alma quebrantada ante Deus, verdadeiramente
consciente do seu próprio estado, das suas tendências e incapacidades, teria
pensado nos seus próprios pecados e na necessidade de oferecer um holocausto
por si mesmo.
Mas deve ficar claro ao leitor que Jó
era um verdadeiro santo de Deus, uma alma divinamente vivificada, um possuidor
da vida divina e eterna. Não poderíamos insistir o suficiente sobre este ponto.
Ele era um homem de Deus tanto no primeiro capítulo como no último. Se não nos
apercebemos disto, privar-nos-emos de uma das grandes lições deste livro. O
versículo 8 do primeiro capítulo estabelece este ponto fora de toda a dúvida:
“E disse o SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na
terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia
do mal. (Jó 1:8)
Todavia, apesar disso, Jó nunca tinha
sondado as profundidades do seu próprio coração. Não se conhecia a si mesmo.
Nunca tinha captado realmente a verdade da sua própria condição de ruína, da
sua total corrupção. Jamais tinha aprendido a dizer: “Porque eu sei que em mim,
isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Romanos 7:18) Se não se
compreender este ponto, não se entenderá o livro de Jó. Não captaremos o objetivo
específico de todos esses profundos e penosos exercícios pelos quais Jó teve
que passar, a menos que tenhamos clarificado o solene fato de que a sua
consciência nunca tinha estado realmente na presença divina, que ele nunca se
tinha examinado ante a luz, que jamais se mediu com a vara divina e que nunca
se tinha pesado na balança do santuário de Deus.
Se nos remetermos por uns instantes ao
capítulo 29 acharemos uma prova fidedigna do que acabamos de afirmar. Veremos
ali de forma clara a profunda e robusta raiz da satisfação pessoal que havia no
coração deste querido e honrado servo de Deus, e a maneira como esta raiz se
nutria dos mesmos sinais do favor divino que a rodeavam. Este capítulo encerra
um patético lamento pelo brilho embaciado dos seus dias passados; além disso, o
tom e o caráter deste lamento deixam manifesto quão necessário era que Jó se
despojasse de tudo a fim de conhecer-se si mesmo à luz da presença divina que
tudo esquadrinha. Escutemos suas palavras:
“AH! QUEM ME DERA SER COMO EU FUI NOS MESES PASSADOS, COMO NOS DIAS EM QUE DEUS
ME GUARDAVA! QUANDO FAZIA RESPLANDECER A SUA LÂMPADA SOBRE A MINHA CABEÇA E
QUANDO EU PELA SUA LUZ CAMINHAVA PELAS TREVAS. COMO FUI NOS DIAS DA MINHA
MOCIDADE, QUANDO O SEGREDO DE DEUS ESTAVA SOBRE A MINHA TENDA; QUANDO O
TODO-PODEROSO AINDA ESTAVA COMIGO, E OS MEUS FILHOS EM REDOR DE MIM. QUANDO
LAVAVA OS MEUS PASSOS NA MANTEIGA, E DA ROCHA ME CORRIAM RIBEIROS DE AZEITE;
QUANDO EU SAÍA PARA A PORTA DA CIDADE, E NA RUA FAZIA PREPARAR A MINHA CADEIRA,
OS MOÇOS ME VIAM, E SE ESCONDIAM, E ATÉ OS IDOSOS SE LEVANTAVAM E SE PUNHAM EM
PÉ; OS PRÍNCIPES CONTINHAM AS SUAS PALAVRAS, E PUNHAM A MÃO SOBRE A SUA BOCA; A
VOZ DOS NOBRES SE CALAVA, E A SUA LÍNGUA APEGAVA-SE AO SEU PALADAR. OUVINDO-ME
ALGUM OUVIDO, ME TINHA POR BEM-AVENTURADO; VENDO-ME ALGUM OLHO, DAVA TESTEMUNHO
DE MIM; PORQUE EU LIVRAVA O MISERÁVEL, QUE CLAMAVA, COMO TAMBÉM O ÓRFÃO QUE NÃO
TINHA QUEM O SOCORRESSE. A BÊNÇÃO DO QUE IA PERECENDO VINHA SOBRE MIM, E EU
FAZIA QUE REJUBILASSE O CORAÇÃO DA VIÚVA. VESTIA-ME DA JUSTIÇA, E ELA ME SERVIA
DE VESTIMENTA; COMO MANTO E DIADEMA ERA A MINHA JUSTIÇA. EU ME FAZIA DE OLHOS
PARA O CEGO, E DE PÉS PARA O COXO. DOS NECESSITADOS ERA PAI, E AS CAUSAS DE QUE
EU NÃO TINHA CONHECIMENTO INQUIRIA COM DILIGÊNCIA. E QUEBRAVA OS QUEIXOS DO
PERVERSO, E DOS SEUS DENTES TIRAVA A PRESA. E DIZIA: NO MEU NINHO EXPIRAREI, E
MULTIPLICAREI OS MEUS DIAS COMO A AREIA. A MINHA RAIZ SE ESTENDIA JUNTO ÀS
ÁGUAS, E O ORVALHO PERMANECIA SOBRE OS MEUS RAMOS; A MINHA HONRA SE RENOVAVA EM
MIM, E O MEU ARCO SE REFORÇAVA NA MINHA MÃO. OUVIAM-ME E ESPERAVAM, E EM
SILÊNCIO ATENDIAM AO MEU CONSELHO. HAVENDO EU FALADO, NÃO REPLICAVAM, E MINHAS
RAZÕES DESTILAVAM SOBRE ELES; PORQUE ME ESPERAVAM, COMO À CHUVA; E ABRIAM A SUA
BOCA, COMO À CHUVA TARDIA. SE EU RIA PARA ELES, NÃO O CRIAM, E A LUZ DO MEU
ROSTO NÃO FAZIAM ABATER; EU ESCOLHIA O SEU CAMINHO, ASSENTAVA-ME COMO CHEFE, E
HABITAVA COMO REI ENTRE AS SUAS TROPAS; COMO AQUELE QUE CONSOLA OS QUE
PRANTEIAM. AGORA, PORÉM, SE RIEM DE MIM OS DE MENOS IDADE DO QUE EU, CUJOS PAIS
EU TERIA DESDENHADO DE PÔR COM OS CÃES DO MEU REBANHO. (Jó 29:2 A 30:1)
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