Agora,
como execução veemente desta exortação, eu tiraria lições proveitosas dessa
dispensação aflitiva da providência santa de Deus, que é a ocasião de nossa
reunião neste momento — a morte do eminente servo de Jesus Cristo, cujo enterro
deve ser cuidado neste dia. juntamente com o que era observável nele, na vida e
na morte.
Nesta
dispensação da providência, Deus nos faz lembrar da nossa mortalidade e nos
avisa que o tempo está próximo, quando então estaremos “ausentes do corpo” e
“devemos comparecer”, como o apóstolo observa dois versículos mais à frente no
texto: “Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que
cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal” (2 Coríntios
5:10).
Nele,
cuja morte somos chamados a considerar e tirar lições proveitosas, temos não só
uma instância de mortalidade, mas também, como possuímos toda razão imaginável
para concluir, uma instância de alguém que, estando ausente do corpo, está
presente com o Senhor. Disto ficaremos convencidos se considerarmos a natureza
da experiência na ocasião de sua conversão, a natureza e curso dos exercícios
interiores a partir daquela data, sua conversação exterior e prática de vida,
ou a estrutura e comportamento durante todo o longo tempo em que ele encarou a
morte frente a frente.
Suas
convicções de pecado que precedem suas primeiras consolações em Cristo, como
consta num relato escrito que ele deixou dos exercícios e experiências
interiores, eram sumamente profundas e completas. Suas dificuldades e tristezas
que surgem de um senso de culpa e miséria eram muito grandes e continuamente
longas, mas, não obstante, sãs e racionais, não consistindo em pavores
instáveis, violentos e irresponsáveis e perturbações da mente; mas surgindo das
mais sérias considerações e de uma iluminação clara da consciência para
discernir e considerar o verdadeiro estado das coisas.
A
luz entrou em sua mente na conversão, e as influências e exercícios para os
quais sua mente foi sujeita naquele momento mostram-se muito agradáveis à razão
e ao Evangelho de Jesus Cristo. A mudança foi muito grande e notável, contudo
sem a aparência de impressões fortes na imaginação, de voos súbitos de afetos
ou de emoções veementes da natureza animal. Isso foi assistido com visões
justas da suprema glória do Ser divino, consistindo na dignidade e beleza
infinitas das perfeições da sua natureza e da excelência transcendente do
caminho de salvação por Cristo Jesus. Isto sucedeu cerca de oito anos atrás,
quando ele tinha vinte e um anos de idade.
Deus
santificou e formou para seu uso este vaso, que Ele designou fazer
eminentemente um vaso de honra na sua casa e o qual fizera de grande
capacidade, dotando-o de habilidades e dons naturais muito incomuns. Ele era
instância singular de uma invenção pronta, eloquência natural, expressão
fluente, apreensão vivaz, discernimento rápido, memória forte, génio
penetrante, pensamento profundo e claro e juízo perspicaz. Ele tinha um
discernimento exato; sua compreensão era, se posso expressá-la, de um faro
rápido, forte e distintivo; sua aprendizagem era muito considerável. Ele tinha
grande gosto em aprender e se aplicava aos estudos de maneira tão íntima quando
estava na faculdade, que muito lhe prejudicou a saúde e foi obrigado, por conta
disso, durante algum tempo, a deixar a faculdade, desistir de seus estudos e
voltar para casa. Ele era reputado alguém que excedia em aprendizagem naquela
sociedade.
Ele
tinha conhecimento extraordinário das pessoas, como também das coisas, e
perspicácia incomum da natureza humana. Excedia muitos que já conheci no poder
de comunicar os pensamentos e tinha talento peculiar de acomodar-se às
capacidades, temperamentos e circunstâncias daqueles a quem instruía ou
aconselhava.
Ele tinha dons extraordinários para
o púlpito. Nunca tive oportunidade de ouvi-lo pregar, mas muitas vezes o ouvi
orar. Acho que sua maneira de se dirigir a Deus e de se expressar diante Dele
era quase inimitável, fato que raramente vi igual. Ele se exprimia com
propriedade e pertinência exatas em expressões significantes, fluentes e
pungentes, com tamanha demonstração de sinceridade, reverência e solenidade, e
tão grande distância de toda afetação, quanto a esquecer a presença da
audiência e estar na presença imediata de um grande e santo Deus, que poucas
vezes vi paralelo. Seu modo de pregar, sobre o qual muitas vezes ouvi bons juízes
referirem-se, era não menos excelente, sendo claro, instrutivo, natural,
vigoroso, comovente, penetrante e convincente.
Ele
repugnava o ruído afetado e a impetuosidade violenta no púlpito, e, contudo
tinha grande aversão de uma entrega tediosa e fria, quando o assunto requeria
afeição e avidez. Suas experiências das influências santas do Espírito de Deus
foram grandes não só primeiramente na conversão, mas também continuaram assim
num curso permanente. Este facto evidencia-se num diário que ele mantinha de
seus exercícios interiores desde o tempo em que se converteu até o momento em
que ficou incapacitado pela queda de forças poucos dias antes de morrer. A mudança
que ele estimava como sua conversão foi não só uma grande mudança de suas
visões, afetos e estrutura de pensamento, mas, evidentemente, o começo dessa
obra de Deus no seu coração, que Deus continuou fazendo de maneira muito
maravilhosa desde aquele tempo até o dia em que morreu.
Assim como seu aspecto interior
mostrou-se ser do tipo certo e era muito notável quanto ao grau, seu
comportamento e prática externas eram igualmente agradáveis. Em toda a sua
trajetória, ele agiu como alguém que tinha vendido tudo por Cristo, dedicado-se
completamente a Deus, feito a glória Dele o seu mais alto fim e estava
determinado a gastar todo o tempo e força neste propósito. Ele era ativo na
religião da maneira certa, não meramente ou principalmente em sua língua, para professá-la
e falar dela, mas ativo na obra e matéria da religião. Ele não era um daqueles
que procuram esquivar-se da cruz para alcançar o céu na indulgência da
facilidade e indolência. São provavelmente sem paralelo hoje em dia nesta parte
do mundo sua vida de labor e abnegação, os sacrifícios que fez e a prontidão e
constância com que despendeu suas forças e todo o seu ser para promover a
glória do Redentor. Muito disso pode ser percebido por aquele que lê seu jornal
impresso, porem muito mais se aprendeu através de longas e estreitas relações
com ele e examinando o diário desde sua morte, o qual ele de propósito escondeu
no que publicou.
Não menos extraordinário era sua
constante tranquilidade, paz, certeza e alegria em Deus, durante o longo tempo
em que olhava a morte face a face sem a menor esperança de recuperação,
continuando sem interrupção até os últimos momentos em que a enfermidade muito
sensivelmente atacava dia a dia seus órgãos vitais e muitas vezes o levava ao
estado no qual ele se considerava — e outros também — estar morrendo. Os
pensamentos da aproximação da morte nunca pareciam ao menos desalentá-lo, mas
antes o encorajavam e divertiam-lhe o humor. Quanto mais perto a morte chegava,
mais desejoso ele parecia de morrer. Pouco tempo antes de morrer, ele disse que
“a consideração do dia da morte e o Dia do Juízo há muito tinha[lhe] sido
peculiarmente doce.”
Ele parecia ter extraordinários
exercícios de resignação à vontade de Deus. Certa vez, ele me contou que “Tinha
ansiado pelo derramamento do Espírito Santo de Deus e pelos tempos gloriosos da
Igreja e esperado a sua proximidade; e desejaria viver para promover a religião
nesta época, se essa tivesse sido a vontade de Deus.” “Mas”, disse ele, “estou
propenso que as coisas sejam como são; nem por dez mil mundos eu não teria a
escolha de fazer sozinho.”
Com frequência ele falava dos
diferentes tipos de vontade de morrer, e mencionava como algo ignóbil e vil a
vontade de morrer, por estar propenso a morrer só para se livrar da dor, ou ir
para o céu a fim de receber honra e promoção. Seu desejo da morte parecia ser
de um tipo totalmente diferente e para fins mais nobres. Quando foi tomado pela
primeira vez com um dos últimos e mais fatais sintomas da doença, ele disse:
“Agora o tempo glorioso está chegando! Almejei servir a Deus perfeitamente e
Deus satisfará esse desejo.” Uma vez ou outra na fase final de sua enfermidade,
ele articulou estas expressões: “Meu céu é agradar a Deus, glorificá-lo, dar
tudo a Ele e ser dedicado completamente à sua glória. Este é o céu que desejo,
esta é a minha religião, esta é a minha felicidade e sempre foi, desde que
supus ter a verdadeira religião. Todos os que são dessa religião me encontrarão
no céu.” “Eu não vou para o céu para ser promovido, mas para dar honra a Deus.
É de pouca importância onde serei posicionado no céu, se tenho um assento alto
ou baixo, mas vou amar, agradar e glorificar a Deus. Se eu tivesse mil almas,
se elas valessem algo, eu as daria todas a Deus. Mas não tenho nada a oferecer
quando tudo terminar.”
Depois que seu estado o deixou
tão prostrado que já não tinha a menor esperança de recuperação, sua mente
vislumbrou o futuro com zelosa preocupação pela prosperidade da Igreja de Deus
na terra. É mais do que evidente que isto é proveniente de um amor puro e
desinteressado de Cristo e um desejo de sua glória. A prosperidade de Sião era
um tema no qual ele se demorava muito e do qual muito falava, e cada vez mais
assim que a morte se aproximava dele. Quando estava perto do fim, ele me contou
que nunca, em toda a vida, teve a mente induzida a desejos e orações sérias
pelo florescimento do Reino de Cristo na terra, quanto desde que ficou
extremamente prostrado em Boston. Ele parecia se perguntar por que os ministros
e as pessoas não manifestavam mais a disposição de orar pelo desenvolvimento da
religião por todo o mundo.
Mas pouco antes de morrer, ele me
contou quando entrei no quarto: “Meus pensamentos estavam no querido velho
tema: a prosperidade da Igreja de Deus na terra. Enquanto eu acordava, fui
levado a chorar pelo derramamento do Espírito de Deus e o progresso do Reino de
Cristo, pelo qual o querido Redentor morreu e tanto sofreu. É sobretudo isso
que me faz desejar muito a prosperidade da Igreja de Deus na terra.”
Alguns dias antes de morrer, ele
quis que cantássemos um salmo relacionado à prosperidade de Sião, que ele
denotou ter engajado seus pensamentos e desejos acima de todas as coisas. A seu
pedido, cantamos parte do Salmo 102. Quando terminamos, embora estivesse tão
prostrado que mal podia falar, ele se esforçou e fez uma oração, muito
audivelmente, na qual, além de pedir pelos presentes e pela própria
congregação, orou solicitamente pelo avivamento e florescimento da religião no
mundo. Sua congregação tem lugar especial em seu coração. Era frequente ele
falar dela e, quando o fazia. era com ternura peculiar, de forma que sua fala
era interrompida e afogada em lágrimas.
Assim, propus-me a representar
algo do caráter e comportamento deste excelente servo de Cristo, cujo
sepultamento deve ser cuidado agora. Embora o tenha feito muito
imperfeitamente, contudo empreendi fazê-lo com fidelidade e como na presença e
temor de Deus, sem lisonja, o que seguramente deve ser de nenhum valor aos
ministros do Evangelho, quando falam “como mensageiros do Senhor dos
Exércitos.” Tal razão temos de satisfazer para que a pessoa de quem tenho
falado, agora “ausente do corpo”, está “presente com o Senhor”, não apenas
isso, mas também com ele está uma coroa de glória de brilho distinto.
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