Por
David Martyn Lloyd-Jones
A questão final com que nos defrontamos é: o que é que
impede este ou aquele Cristão de cair e perder-se? Se não for o que temos dito
aqui, isto é, que somos “chamados segundo o Seu propósito” e que, porque é Seu
propósito, Ele próprio nos impede de cair, bem, então, que será que nos guarda
e nos impede de cair? Consideremos a situação daqueles que acreditam ser
possível um Cristão regenerado, nascido de novo, ir definitivamente para a
perdição, cair e perder a posição de estar “em Cristo”.
O que tais pessoas acreditam é que há dois tipos de Cristãos: um deles
se manterá seguro à verdade e à fé, e finalmente chegará à glória; o outro não
consegue manter-se seguro, por um motivo ou outro, cai, e vai para a perdição.
Elas explicam a diferença entre estes dois Cristãos asseverando que um teve
vontade e desejo de manter-se seguro, e que o outro não teve essa vontade e
esse desejo. A diferença é determinada inteiramente pela vontade, pelo desejo e
pela determinação pessoal do Cristão particular. Sobre esse pressuposto, esta é
a única conclusão a que se pode chegar.
Entretanto, se isso fosse verdade, uma decorrência seria que tal pessoa
é mais forte do que Adão antes da Queda. Adão era perfeito e estava sem pecado.
Tinha livre-arbítrio completo, mas escolheu deliberadamente dar ouvidos ao
diabo, e por isso caiu e causou as consequências que bem conhecemos, nele e em
sua progênie. Disso decorre que aquele que por seu próprio esforço conseguisse
manter-se na fé teria vontade e determinação mais fortes do que as que Adão
tinha. Pode-se, porém, replicar: “O Cristão está em melhores condições do que
Adão; ele recebeu vida divina de Cristo e, portanto, tem algo superior ao que
Adão tinha. Ele recebeu em seu ser nova vida de Deus, e é isso que o capacita a
permanecer firme de um modo que Adão era incapaz de o fazer”.
Mas esse argumento não nos
ajuda nada, pois todos os Cristãos, por definição, receberam essa mesmíssima
nova vida. Por conseguinte, isso não explica a diferença. A causa da diferença
não pode ser a nova vida recebida, porque ambos os grupos a possuem. Somos induzidos
à inevitável conclusão de que, em última análise, o que mantém o Cristão na sua
fidelidade ao Senhor não é nada mais nada menos do que o poder da vontade e
determinação do próprio homem. É uma qualidade natural e, portanto, a sua
conclusão final é que não é a regeneração que determina a salvação final; é uma
força natural de vontade e de entendimento, um poder inerente ao homem. Quer
dizer, você é induzido a uma conclusão que está em completa contradição com a
doutrina da graça.
O homem não é finalmente
salvo devido à ação de Deus pela qual Ele lhe dá nova vida e o regenera. O fator
determinante é a capacidade pessoal do homem em persistir apegado à fé; alguns
a têm, outros não. É uma qualidade natural e, assim, é uma final contradição de
todo o ensino bíblico concernente à salvação, e especialmente da regeneração.
Essa é a conclusão à qual você será levado inevitavelmente, se rejeitar esta
doutrina da perseverança final dos santos, que se baseia no propósito de Deus
[...]
Se a doutrina da perseverança não fosse verdadeira, então, se acaso você
se visse na glória, a glória teria que vir a si por ter-se empenhado em
permanecer firme e seguro. Você, como muitos outros, receberam a mesma dádiva
da salvação; os outros, tolamente, não se agarram a ela, mas você agarrou-se e
continua assim. Portanto, a glória vem a si pelo seu empenho em segurar-se à
bênção da salvação. Entretanto isso é uma completa contradição do ensino das
Escrituras, de capa a capa. Não há quem possa gabar-se quanto a esta questão.
“Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”. O homem não tem coisa alguma de
que se gabar. E quando eu e vocês chegarmos ao céu, perceberemos plenamente que
lá estamos, não porque nos seguramos firmemente quando outros desistiram, e sim
porque Ele nos segurou, porque estamos no propósito de Deus e porque Ele nos
guardou, apesar de nós mesmos, da nossa fraqueza e da nossa tendência de seguir
os nossos caprichos pessoais. E daremos a Ele todo o louvor, toda a honra e
toda a glória. Veremos que esse foi o Seu glorioso plano do princípio ao fim, e
adoraremos o Cordeiro, o Filho de Deus, que realizou tudo isso. A Ele cabe toda
a glória. A salvação é um feito inteiramente Seu, e o louvor e a glória são
devidos a Ele, e somente a Ele.
Martin Lloyd-Jones
(Extraído do livro A Perseverança Final dos Santos)
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