CAPÍTULO 4
JOHN OWEN
A Glória de Cristo como Mediador: I. A Sua
humilhação
O pecado de Adão colocou um abismo tão grande entre
a raça humana e Deus que toda a raça teria sido completamente arruinada a menos
que se encontrasse uma pessoa idônea para fazer a paz entre Deus e nós, quer
dizer, para atuar como mediador. Deus não atuaria como esse mediador, nem
tão-pouco havia alguém na Terra que pudesse fazê-lo. “Não há entre nós árbitro
(esta palavra no hebraico equivale a “mediador”) que ponha a mão sobre nós
ambos” (Jb 9:33). Não obstante, uma paz justa entre Deus e o homem tinha de ser
realizada ou nunca existiria nenhuma paz. Então, o Senhor Cristo como o Filho
de Deus disse: “Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo Me preparaste...
Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a Tua vontade.” (Hb 10:5-7). Como o
Apóstolo Paulo nos diz: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo, homem.” (1Tm 2:5) Cristo despojou-Se a Si mesmo e
humilhou-Se quando “tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens”
(Fl 2:7). Isto fá-lO glorioso perante os olhos dos crentes. Vejamos agora três
coisas:
1. A grandeza desta humilhação: “Deus... habita nas alturas... e
humilha-Se para ver o que está nos Céus e na Terra” (Sl 113:5-6). “Todas as
nações são como nada perante Ele; Ele considera-as menos do que nada e como uma
coisa vã” (Is 40:17). Existe uma distância infinita entre Deus e as Suas
criaturas, e para Ele é um ato de pura graça fixar-Se nas coisas terrestres.
Cristo, como Deus, é completamente auto-suficiente em Sua própria
bem-aventurança eterna. Quão grande é então a glória da Sua auto humilhação, ao
tomar a nossa natureza com o fim de levar-nos a Deus! Esta humilhação não foi
pela força, mas Ele escolheu-a voluntariamente, humilhou-Se para ser o nosso
mediador. Que coração pode conceber a glória da condescendência de Cristo? Que
língua pode expressar a graça que O trouxe da glória infinita a tomar a nossa
natureza em união Consigo mesmo para interceder a nosso favor?
2. A natureza especial desta humilhação: O Filho de Deus não deixou de
ser igual a Deus quando veio a ser homem. “Sendo em forma de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus” (Fl 2:6). Os judeus buscavam matá-lO porque Ele
dizia que: “Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus” (Jo 5:18).
Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo na nossa natureza, Ele veio a ser
o que jamais tinha sido antes, mas Ele nunca deixou de ser o que Ele sempre
tinha sido na Sua natureza divina. Ele, que é Deus, nunca pôde deixar de ser
Deus. A glória da Sua natureza divina estava encoberta, assim que todos aqueles
que O viram não creram que Ele era Deus. As suas mentes não podiam entender
algo que nunca antes tinha acontecido, isto é, que uma e a mesma pessoa fosse
tanto Deus como homem. Não obstante, aqueles que creem, sabem que Ele que é
Deus, humilhou-Se a Si mesmo para tomar a nossa natureza para a salvação da
Igreja. É certo que o nosso Senhor Jesus Cristo é uma pedra de tropeço e uma
rocha de queda para muitos hoje em dia, para os que como os muçulmanos e os
judeus pensam que Ele é somente um profeta. Mas se tirarmos o fato de que Ele é
tanto Deus como homem, então também tiramos toda a glória, toda a verdade e
todo o poder do Cristianismo. Os seguintes pontos ajudar-nos-ão a entender a
natureza especial desta humilhação:
a. Cristo não deixou de lado a Sua natureza divina. “Sendo em forma de
Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus” (Filipenses 2:6). Cristo em
autoridade, dignidade, poder e majestade era igual a Deus.
Cristo não converteu a Sua natureza divina numa natureza humana. Isto é o que
os antigos arianos ensinavam, que em Cristo a substância da natureza divina se
converteu em carne, tal como o milagre onde a água foi convertida em vinho.
Segundo eles, por um ato do poder divino, deixou de ser água e veio a ser
somente vinho, não água misturada com vinho. Assim os arianos supunham que houve
uma mudança substancial de uma natureza na outra; quer dizer, que a natureza
divina se converteu numa natureza humana da mesma maneira como os católicos
imaginam que o pão e o vinho (pela transubstanciação) se convertem
verdadeiramente no corpo e no sangue de Cristo.
Mas esta doutrina destrói ambas as naturezas de Cristo e deixa-O como
uma pessoa que já não pode ser nosso mediador. Segundo este ensino, na
encarnação Cristo deixou de ser Deus.
c. Na Sua humilhação para chegar a ser o nosso mediador, Cristo não
trocou, nem alterou a Sua natureza divina. Eutiques (378-454 D. C.) e os seus
seguidores ensinavam que as duas naturezas de Cristo, a divina e a humana,
foram misturadas e compostas numa só. Mas isto não podia acontecer sem que a
natureza divina Se alterasse, algo que não é possível que aconteça. Posto que
na natureza divina não há “mudança, nem sombra de variação” (Tiago 1:17)
permaneceu a mesma Nele (Cristo) em todas as suas qualidades essenciais e na
sua bem-aventurança, tal como foi desde a eternidade. O Senhor Jesus Cristo fez
e sofreu muitas coisas na Sua vida e na Sua morte como um ser humano. Mas tudo
o que Ele fez e sofreu como um ser humano foi feito e sofrido pela Sua
personalidade completa, ainda que o que Ele fez e sofreu como um ser humano não
foi realmente feito pela Sua natureza divina. (Por exemplo: Jesus Cristo
morreu, mas só na Sua natureza humana posto que Deus não pode morrer.) Mas, já
que a Sua natureza humana foi parte da Sua personalidade completa, poder-se-ia
dizer que foi feito por Ele mesmo como Deus. Por exemplo Atos 20:28 diz que
Deus resgatou a Igreja com o Seu próprio sangue.
d. O que fez Cristo, o Senhor, quando Se humilhou a Si mesmo para chegar
a ser homem?
I. Cristo, O Eterno Filho de Deus, por um ato inexprimível do Seu amor e
poder divinos, tomou sobre Si a nossa natureza humana e a fez Sua, tal como a
natureza divina é também Sua. A natureza humana é comum a todos nós, mas chega
a ser especialmente nossa como indivíduos quando nascemos; e assim é que somos indivíduos,
diferentes dos outros. Assim Cristo, o Senhor, tomou a natureza humana a qual é
comum a todos nós e a fez especialmente Sua, e veio a ser “o homem, Cristo
Jesus”.
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