terça-feira, 22 de outubro de 2013

O ORGULHO DO JÓ (continuação)




                                                                
         Mas Jó precisava de ser provado. Abrigava no seu coração uma profunda raiz moral que tinha de ser manifestada à luz; uma justiça própria que tinha de sair à superfície e ser julgada. Podemos, com efeito, vislumbrar esta raiz nos versículos que acabamos de ler. Ele diz: “Talvez pecaram meus filhos” (Jó 1:5). Não parece ter contemplado a possibilidade de que ele mesmo tenha cometido algum pecado. Uma alma que realmente se julgou a si mesma, uma alma quebrantada ante Deus, verdadeiramente consciente do seu próprio estado, das suas tendências e incapacidades, teria pensado nos seus próprios pecados e na necessidade de oferecer um holocausto por si mesmo.
         Mas deve ficar claro ao leitor que Jó era um verdadeiro santo de Deus, uma alma divinamente vivificada, um possuidor da vida divina e eterna. Não poderíamos insistir o suficiente sobre este ponto. Ele era um homem de Deus tanto no primeiro capítulo como no último. Se não nos apercebemos disto, privar-nos-emos de uma das grandes lições deste livro. O versículo 8 do primeiro capítulo estabelece este ponto fora de toda a dúvida: “E disse o SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal. (Jó 1:8)
         Todavia, apesar disso, Jó nunca tinha sondado as profundidades do seu próprio coração. Não se conhecia a si mesmo. Nunca tinha captado realmente a verdade da sua própria condição de ruína, da sua total corrupção. Jamais tinha aprendido a dizer: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Romanos 7:18) Se não se compreender este ponto, não se entenderá o livro de Jó. Não captaremos o objetivo específico de todos esses profundos e penosos exercícios pelos quais Jó teve que passar, a menos que tenhamos clarificado o solene fato de que a sua consciência nunca tinha estado realmente na presença divina, que ele nunca se tinha examinado ante a luz, que jamais se mediu com a vara divina e que nunca se tinha pesado na balança do santuário de Deus.
         Se nos remetermos por uns instantes ao capítulo 29 acharemos uma prova fidedigna do que acabamos de afirmar. Veremos ali de forma clara a profunda e robusta raiz da satisfação pessoal que havia no coração deste querido e honrado servo de Deus, e a maneira como esta raiz se nutria dos mesmos sinais do favor divino que a rodeavam. Este capítulo encerra um patético lamento pelo brilho embaciado dos seus dias passados; além disso, o tom e o caráter deste lamento deixam manifesto quão necessário era que Jó se despojasse de tudo a fim de conhecer-se si mesmo à luz da presença divina que tudo esquadrinha. Escutemos suas palavras:
“AH! QUEM ME DERA SER COMO EU FUI NOS MESES PASSADOS, COMO NOS DIAS EM QUE DEUS ME GUARDAVA! QUANDO FAZIA RESPLANDECER A SUA LÂMPADA SOBRE A MINHA CABEÇA E QUANDO EU PELA SUA LUZ CAMINHAVA PELAS TREVAS. COMO FUI NOS DIAS DA MINHA MOCIDADE, QUANDO O SEGREDO DE DEUS ESTAVA SOBRE A MINHA TENDA; QUANDO O TODO-PODEROSO AINDA ESTAVA COMIGO, E OS MEUS FILHOS EM REDOR DE MIM. QUANDO LAVAVA OS MEUS PASSOS NA MANTEIGA, E DA ROCHA ME CORRIAM RIBEIROS DE AZEITE; QUANDO EU SAÍA PARA A PORTA DA CIDADE, E NA RUA FAZIA PREPARAR A MINHA CADEIRA, OS MOÇOS ME VIAM, E SE ESCONDIAM, E ATÉ OS IDOSOS SE LEVANTAVAM E SE PUNHAM EM PÉ; OS PRÍNCIPES CONTINHAM AS SUAS PALAVRAS, E PUNHAM A MÃO SOBRE A SUA BOCA; A VOZ DOS NOBRES SE CALAVA, E A SUA LÍNGUA APEGAVA-SE AO SEU PALADAR. OUVINDO-ME ALGUM OUVIDO, ME TINHA POR BEM-AVENTURADO; VENDO-ME ALGUM OLHO, DAVA TESTEMUNHO DE MIM; PORQUE EU LIVRAVA O MISERÁVEL, QUE CLAMAVA, COMO TAMBÉM O ÓRFÃO QUE NÃO TINHA QUEM O SOCORRESSE. A BÊNÇÃO DO QUE IA PERECENDO VINHA SOBRE MIM, E EU FAZIA QUE REJUBILASSE O CORAÇÃO DA VIÚVA. VESTIA-ME DA JUSTIÇA, E ELA ME SERVIA DE VESTIMENTA; COMO MANTO E DIADEMA ERA A MINHA JUSTIÇA. EU ME FAZIA DE OLHOS PARA O CEGO, E DE PÉS PARA O COXO. DOS NECESSITADOS ERA PAI, E AS CAUSAS DE QUE EU NÃO TINHA CONHECIMENTO INQUIRIA COM DILIGÊNCIA. E QUEBRAVA OS QUEIXOS DO PERVERSO, E DOS SEUS DENTES TIRAVA A PRESA. E DIZIA: NO MEU NINHO EXPIRAREI, E MULTIPLICAREI OS MEUS DIAS COMO A AREIA. A MINHA RAIZ SE ESTENDIA JUNTO ÀS ÁGUAS, E O ORVALHO PERMANECIA SOBRE OS MEUS RAMOS; A MINHA HONRA SE RENOVAVA EM MIM, E O MEU ARCO SE REFORÇAVA NA MINHA MÃO. OUVIAM-ME E ESPERAVAM, E EM SILÊNCIO ATENDIAM AO MEU CONSELHO. HAVENDO EU FALADO, NÃO REPLICAVAM, E MINHAS RAZÕES DESTILAVAM SOBRE ELES; PORQUE ME ESPERAVAM, COMO À CHUVA; E ABRIAM A SUA BOCA, COMO À CHUVA TARDIA. SE EU RIA PARA ELES, NÃO O CRIAM, E A LUZ DO MEU ROSTO NÃO FAZIAM ABATER; EU ESCOLHIA O SEU CAMINHO, ASSENTAVA-ME COMO CHEFE, E HABITAVA COMO REI ENTRE AS SUAS TROPAS; COMO AQUELE QUE CONSOLA OS QUE PRANTEIAM. AGORA, PORÉM, SE RIEM DE MIM OS DE MENOS IDADE DO QUE EU, CUJOS PAIS EU TERIA DESDENHADO DE PÔR COM OS CÃES DO MEU REBANHO. (Jó 29:2 A 30:1)

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