Martinho
Lutero
3. O regenerado-se manifesta como
crente mediante a execução de boas obras.
A
nossa prédica quanto à nova criação é, pois, que uma vez que tenhamos sido
regenerados, devemos andar nas boas obras. Neste sentido fazemos algo:
pregamos; porém, aqueles, que são convertidos, não fazem nada para chegar a
sê-lo, já que somos criação e obra de Deus, "criados para que andássemos
nas boas obras" (Efésios 2:10). Estas palavras falam-nos com inteira claridade.
A similitude com uma criatura humana é evidente. A criatura deve separar-se do
corpo materno; antes de estar completamente formada, não contribui com nada
para este fato.
Então
por que Deus a proveu de membros? Para mexer-se; uma vez nascida, deve
caminhar, parar, comer, beber, trabalhar, mandar, porque para isto nasceu. Se
não fizesse nada, seria um tronco ou uma pedra. Mas deve fazer algo, para isto
foi criada. A isto se refere Cristo ao dizer ao fariseu Nicodemos: "Todos
vós quereis ser os vossos próprios criadores. Tendes a lei de Moisés, e
esforçai-vos por a cumprir. Mas não o conseguireis, posto que ainda não haveis
nascido. Ainda não são o que deveis ser, porque ainda não fostes recreados nem
nascestes de novo; não tendes o Espírito Santo. Por conseguinte, todas as
vossas obras são obras do velho homem. Podeis, por exemplo, construir uma casa
ou fabricar um sapato; mas tais obras não têm nada que ver com o céu. Não são
obras que conferem justiça a quem as faz. Também os gentios são capazes de as
fazer. Além disso trazeis oferendas, circuncidais os vossos filhos, usais as
vestimentas sagradas — também isto está ao alcance de qualquer pagão. Por isso
digo que são obras do homem velho, nascido uma só vez, ou seja, do seio de sua
mãe. Mas se quereis fazer obras que sejam de valor perante Deus e tragam
proveito ao próximo, tendes de nascer de novo. Vós, por outro lado, credes que
com isso de fazer obras que são boas no seu aspecto exterior, já tendes
assegurada, a entrada no céu, mesmo que o coração não se ache no estado devido.
Mas não façais as coisas às avessas, não comeceis pelas obras!"
Também
os papistas são da opinião de que podem merecer o céu com as suas obras que
acompanham a graça. É um erro. As boas obras não nos podem ajudar de nenhuma
forma, nem como obras que precedem a graça, nem como obras que correm paralelas
a ela, nem tampouco como obras que se seguem à graça, mas que tudo tem de
provir do Espírito e da água. "Em lugar de pai e mãe vos darei água e
Espírito Santo", reza a pregação de Cristo. Porque isto é assim, posso
dizer: "As minhas próprias obras não me criarão, nem me engendrarão como
nova criação, nem tampouco poderão fazê-lo, posto que já fui criado e
engendrado da água e do Espírito."
Também
resulta agora fácil provar e julgar os espíritos fanáticos. Pois o que nasceu,
o que já foi feito e criado, não tem necessidade de ser feito e criado. Como
podem dizer então que as obras subsequentes à graça engendram e criam? Fazer
boas obras é necessário; correto — mas não para chegar a ser por meio delas uma
nova criação. Portanto há que diferenciar entre fé e obras; assim nos ensina
isso aqui o Senhor. As obras feitas antes de que exista a fé, são condenadas
como pecado. Por outro lado, as obras feitas pelo que já tem fé, são obras
preciosas e boas. Entretanto, tampouco estas servem para nos converter em
homens justos, mas para louvar e glorificar o nosso Pai que está nos céus
(Mateus 5:16) e para causar alegria nos anjos. Pois quem por meio de boas obras
e de uma pregação frutífera honra ao Pai, receberá também Dele a recompensa
correspondente. Se não andas nas boas obras, tampouco nasceste ainda para elas
(Efésios 2:10). Onde se ensina e se vive desta maneira a verdade ensinada aqui
por Cristo permanece em vigência em toda a sua pureza. Cristo diz que temos de
nascer, Paulo sublinha que temos de ser criados por Deus.
Falando
em termos da comparação com uma criatura: a criatura não se engendra nem se faz
nascer a si mesma, mas depois de ter sido criada, por sua vez, pode fazer
obras. Analogamente, a árvore frutífera, depois de plantado, dá frutos. Não se
diz: "Se não houvesse peras na árvore, esta não seria uma árvore",
mas ao contrário. Para isto cresce a pereira, para que dê peras, para glória e
honra de Deus, o Criador, e para que nós as comamos. Assim, a obra de Deus é a
que precede, e a nossa obra é a que se segue. Igualmente: se não houvesse
ferreiro, não haveria machado; pois para que o machado corte, previamente tem
de ter sido fabricado. Só um perfeito idiota poderia dizer: "Façam-me um
machado que colabore na sua fabricação, de sorte que mediante o seu próprio
estilhaçar e cortar se torne num machado". Primeiro há que fabricar o
machado, e só então o podemos empregar nos trabalhos para os quais se costuma
destinar.
Sobre
este tema se discute de forma muito obstinada desde os começos da humanidade. E
este é o nosso ensino no qual insistimos com toda a energia, a fim de que
conserve o lugar que lhe corresponde na igreja, e para evitar que penetrem na
igreja pessoas que atribuem um efeito também às obras precedentes ou
concomitantes. Primeiro deve estar a criação, o nascimento; logo pode seguir-se
a obra. Nicodemos não o pôde compreender, porque ele vivia na crença equivocada
de que conseguirá entrar no céu graças às suas obras precedentes. Cristo
opõe-lhe um NÃO rotundo: "Aquele que não nascer de novo não pode ver o
reino de Deus". Todos os que ensinam algo que contrarie este artigo, são
mestres falsos.
Nós
porém criamo-lo, e demos graças a Deus pelo fato de que por fim foi trazido à
luz e posto como conhecimento à disposição de todos, o qual é o verdadeiro
caminho para a vida: "Faz com que eu seja regenerado sem colaboração de
nenhuma obra minha, quer dizer, só pela palavra e a fé." Se tal é o caso,
sou filho de Deus, tenho livre acesso à casa de meu Pai, e tudo que faço, é bom
e aceite perante os Seus olhos. Se o meu pé escorrega, Ele açoita-me. Se sou
uma árvore boa, produzo frutos bons. Se a árvore é invadida por vermes nocivos,
o Pai extermina-os. Se sou um bom machado, sirvo para cortar; se no machado se
produz uma fenda, também este mal poderá ser remediado pelo Pai. Por isso vós
os fariseus estais muito longe do alvo com as vossas obras precedentes; porque
destas resultam em não mais do que uma justiça válida perante os olhos do
mundo, e para ela rege o que acabo de dizer quanto ao atirador. A justiça
proveniente da fé dá no alvo: aponta ao próprio centro, e penetra até à vida
eterna — não pelos nossos próprios meios, mas em união com aquele que é o
Mediador, do qual se fala na parte final do Evangelho (João 3:14). Fomos
criados por Ele, e somos recreados por Ele; por meio Dele somos uma criação
perfeita, apesar de que ainda não estamos livres de faltas e debilidades.
A
isto se chama falar de forma cristã acerca da regeneração, da qual os papistas,
os turcos e os judeus não têm o menor conhecimento. Estou certo, portanto, de
que no Concílio os papistas rechaçarão este artigo, já que a norma deles é
julgar a obra de Deus conforme a entendem eles mesmos. Cristo, porém, sustenta
invariavelmente: "Aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de
Deus". É preciso, pois, pôr de lado os pensamentos próprios, a sabedoria
própria, as opiniões próprias, e prestar ouvidos somente à palavra por meio da
qual é criado em ti um coração novo sem a tua colaboração, como o novo ser no
corpo da mãe. Este texto soluciona a questão que se vem debatendo no mundo
inteiro acerca de como é possível uma vida bem-aventurada e feliz. Não há outro
meio que a justiça efetuada pela regeneração: esta acerta no alvo.
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