quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Filho Pródigo, (Lc 15:11-32)





Sermão de Agostinho
        O patrimônio que o filho recebeu do Pai é a inteligência, a mente, a memória, o engenho e tudo o que Deus nos deu para que O conhecessem e Lhe déssemos culto. Tendo recebido este patrimônio, o filho menor "partiu para um país muito distante". Distância significa: o esquecimento de seu Criador. "Dissipou a sua herança vivendo dissolutamente": gastando e não ajuntando; malbaratando tudo o que tinha e não adquirindo o que não tinha, isto é, consumindo toda sua capacidade em luxúria, em ídolos, em todo tipo de desejos perversos, aos que a Verdade denominou meretrizes.
        Não é de admirar que essa orgia acabasse em fome. "Sobreveio àquela região uma grande fome"; fome não de pão visível, mas da verdade invisível. E, por causa da fome, "foi pôr-se ao serviço de um dos senhores daquela região": entenda-se o diabo, o senhor dos demônios. Alimentava-se então das vagens dos porcos sem poder saciar-se. Vagens são as vistosas doutrinas do mundo: servem para ostentar, mas não para sustentar; alimento digno para porcos, mas não para homens: próprias para dar aos demônios deleitação, mas não dar aos fiéis a justificação.
        Até que, por fim, tomou consciência do lugar em que tinha caído; do quanto tinha perdido; Quem tinha ofendido e a quem se tinha submetido. Reparai no que diz o Evangelho: "Entrando em si..."; primeiramente, voltou-se para si e só assim pôde voltar para o pai. Dizia talvez: "O meu coração me abandonou (isto é: saí de mim mesmo)" (Salmo 40,13); daí que fosse necessário, antes, voltar para si mesmo e assim perceber que se encontrava longe do pai. É o que diz a Escritura quando increpa a alguns, dizendo: "Voltai, pecadores, ao coração! (isto é: voltai, pecadores, a vós mesmos!)" (Isaías 46,8). Voltando para si mesmo, encontrou-se miserável: "Encontrei, diz ele, a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor" (Salmo 116,3-4). "Quantos empregados, diz ele, há na casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu, aqui, a morrer de fome!"
        Levantou-se e voltou. Ele, caído por terra depois de contínuos tropeços. O pai vê-o ao longe e sai-lhe ao encontro. É dele que fala o Salmo: "Entendeste os meus pensamentos de longe" (Salmo 139,2). Que pensamentos? Aqueles que o filho tinha no seu interior: "Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como a um dos teus empregados". Ele ainda nada tinha dito, só pensava em dizer. O pai, porém, ouvia como se o filho já o estivesse dizendo.
        E assim se diz noutro Salmo: "Eu disse: confessarei a minha iniquidade ao Senhor" (Salmo 32,5). Vede como se trata ainda de algo interior a ele, de um mero projeto e, contudo, acrescenta imediatamente: "E tu já perdoaste a impiedade de meu coração" (Salmo 32,5). Quão próxima está a misericórdia de Deus daquele que a Ele se confessa!
        E o pai ordena que o vistam com a primeira veste, aquela que Adão perdera ao pecar. Tendo recebido o filho em paz, tendo-o beijado, ordena que lhe deem uma veste: a esperança de imortalidade, conferida no ato de crer. Ordena que lhe deem um anel, penhor do Espírito Santo; calçado para os pés, como preparação para o anúncio do Evangelho da paz, para que sejam formosos os pés dos que anunciam a boa nova.
        Estas coisas Deus faz através dos Seus servos, isto é, os crentes. Acaso eles podem, por si próprios, dar veste, anel e calçados? Não, apenas cumprem o seu ministério, desempenham o seu ofício; quem dá é Aquele de cujo depósito e de cujo tesouro são extraídos estes dons.

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