domingo, 20 de julho de 2014

AS MISÉRIAS DOS NÃO-CONVERTIDOS (1)




Alleine
         É tão indescritivelmente terrível o caso das almas não convertidas, que às vezes tenho pensado que se eu, pelo menos, pudesse convencer os homens de que ainda não estão regenerados, metade da tarefa já estaria realizada.
         Mas tenho descoberto por meio de tristes experiências, que os não santificados possuem tal espírito de apatia e de sonolência que, embora convencidos de não serem regenerados, permanecem sossegadamente descuidados. Através do amor ao prazer sensual, ou do apego aos negócios mundanos, ou do ruído e clamor das preocupações terrenas e afeições carnais, a voz da consciência é abafada e os homens não ultrapassam alguns frios desejos e propósitos frouxos de se arrependerem e de se corrigirem.
         É, portanto, da maior importância que eu não apenas convença os homens de que não são convertidos, mas também que me esforce para levá-los a sentir a terrível miséria do seu estado.
         Mas aqui encontro-me embaraçado logo de início. Quem poderá falar o bastante aos herdeiros do Inferno a respeito da sua miséria, senão o homem rico (da parábola do rico e Lázaro) que estava atormentado naquela chama? (Lucas 16:24). Onde está o hábil escritor cuja pena possa descrever as misérias daqueles que estão sem Deus no mundo? Isso não pode ser feito por completo, a menos que conheçamos o infinito oceano de felicidade que há na perfeição de Deus e do qual os homens estão excluídos devido ao seu estado pecaminoso. "Quem conhece", diz o salmista, "o poder da Tua ira?" (Salmo 90:11). E como vou falar aos homens daquilo que não conheço? Contudo, sabemos o suficiente para acreditar que o coração daquele que possui o mínimo grau de vida ou sentido espiritual ficaria abalado.
         Mas esta dificuldade é ainda mais espantosa, pois tenho de falar aos que não têm nenhum sentido espiritual. Infelizmente esta não é a pior faceta da miséria do homem, isto é, que ele esteja morto em transgressões e pecados.
         Se eu pudesse dar uma visão do Paraíso ou representar o Reino do Céu com tanta perícia como o tentador apresentou os reinos do mundo e a sua glória ao nosso Salvador, ou se eu pudesse desvendar a face do profundo e devorador abismo de Tofete com todos os seus terrores, e abrir as portas da fornalha infernal, infelizmente esse homem não teria olhos para ver. Se eu pudesse pintar as belezas da santidade ou a glória do Evangelho, ou se eu pudesse expor a mais que diabólica deformidade e feiura do pecado, ele não conseguiria perceber o encanto e a beleza da primeira nem a impureza e hediondez da segunda, melhor que um cego o poderia fazer. Ele está alienado da vida de Deus pela ignorância que há nele, pela cegueira do seu coração (Efésios 4:18). Ele não conhece nem pode conhecer as coisas de Deus, porque elas são discernidas espiritualmente (I Coríntios 2:14). Seus olhos não podem ser abertos para a salvação, senão pela graça que converte (Atos 26:18). É filho das trevas e anda nas trevas. Sim, a luz que está nele são trevas.
         Deverei, então, fazer soar soturnamente a sua má sorte, ou ler a sua sentença, ou fazer soar em seu ouvido a terrível trombeta do julgamento divino, pensando que isso faria vibrar os seus ouvidos, e alarmá-lo como aconteceu com Belsazar, até mudar o seu semblante, relaxar suas juntas e seus joelhos baterem um no outro? Que pena, ele não me ouviria, ele não tem ouvidos para ouvir. Ou deverei chamar as filhas da música e cantar o cântico de Moisés e do Cordeiro? Nem assim ele se vai comover. Deverei cativá-lo com o som jubiloso, a encantadora canção e as boas novas do Evangelho, com os mais doces e atraentes chamamentos, com as consolações e confortos das promessas divinas, tão admiravelmente grandes e preciosas? Isso não o atingiria de modo salvador, a menos que eu conseguisse ouvidos para ele, assim como o fizesse ouvir as novas.

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