Alleine
É
tão indescritivelmente terrível o caso das almas não convertidas, que às vezes
tenho pensado que se eu, pelo menos, pudesse convencer os homens de que ainda
não estão regenerados, metade da tarefa já estaria realizada.
Mas tenho descoberto por meio de tristes
experiências, que os não santificados possuem tal espírito de apatia e de
sonolência que, embora convencidos de não serem regenerados, permanecem
sossegadamente descuidados. Através do amor ao prazer sensual, ou do apego aos
negócios mundanos, ou do ruído e clamor das preocupações terrenas e afeições
carnais, a voz da consciência é abafada e os homens não ultrapassam alguns
frios desejos e propósitos frouxos de se arrependerem e de se corrigirem.
É, portanto, da maior importância que
eu não apenas convença os homens de que não são convertidos, mas também que me
esforce para levá-los a sentir a terrível miséria do seu estado.
Mas aqui encontro-me embaraçado logo de
início. Quem poderá falar o bastante aos herdeiros do Inferno a respeito da sua
miséria, senão o homem rico (da parábola do rico e Lázaro) que estava
atormentado naquela chama? (Lucas 16:24). Onde está o hábil escritor cuja pena
possa descrever as misérias daqueles que estão sem Deus no mundo? Isso não pode
ser feito por completo, a menos que conheçamos o infinito oceano de felicidade
que há na perfeição de Deus e do qual os homens estão excluídos devido ao seu
estado pecaminoso. "Quem conhece", diz o salmista, "o poder da Tua
ira?" (Salmo 90:11). E como vou falar aos homens daquilo que não conheço?
Contudo, sabemos o suficiente para acreditar que o coração daquele que possui o
mínimo grau de vida ou sentido espiritual ficaria abalado.
Mas esta dificuldade é ainda mais
espantosa, pois tenho de falar aos que não têm nenhum sentido espiritual.
Infelizmente esta não é a pior faceta da miséria do homem, isto é, que ele
esteja morto em transgressões e pecados.
Se eu pudesse dar uma visão do Paraíso
ou representar o Reino do Céu com tanta perícia como o tentador apresentou os
reinos do mundo e a sua glória ao nosso Salvador, ou se eu pudesse desvendar a
face do profundo e devorador abismo de Tofete com todos os seus terrores, e
abrir as portas da fornalha infernal, infelizmente esse homem não teria olhos
para ver. Se eu pudesse pintar as belezas da santidade ou a glória do
Evangelho, ou se eu pudesse expor a mais que diabólica deformidade e feiura do
pecado, ele não conseguiria perceber o encanto e a beleza da primeira nem a
impureza e hediondez da segunda, melhor que um cego o poderia fazer. Ele está
alienado da vida de Deus pela ignorância que há nele, pela cegueira do seu
coração (Efésios 4:18). Ele não conhece nem pode conhecer as coisas de Deus,
porque elas são discernidas espiritualmente (I Coríntios 2:14). Seus olhos não
podem ser abertos para a salvação, senão pela graça que converte (Atos 26:18).
É filho das trevas e anda nas trevas. Sim, a luz que está nele são trevas.
Deverei, então, fazer soar soturnamente
a sua má sorte, ou ler a sua sentença, ou fazer soar em seu ouvido a terrível
trombeta do julgamento divino, pensando que isso faria vibrar os seus ouvidos,
e alarmá-lo como aconteceu com Belsazar, até mudar o seu semblante, relaxar
suas juntas e seus joelhos baterem um no outro? Que pena, ele não me ouviria,
ele não tem ouvidos para ouvir. Ou deverei chamar as filhas da música e cantar
o cântico de Moisés e do Cordeiro? Nem assim ele se vai comover. Deverei
cativá-lo com o som jubiloso, a encantadora canção e as boas novas do
Evangelho, com os mais doces e atraentes chamamentos, com as consolações e
confortos das promessas divinas, tão admiravelmente grandes e preciosas? Isso
não o atingiria de modo salvador, a menos que eu conseguisse ouvidos para ele, assim
como o fizesse ouvir as novas.
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