AS ESCRITURAS E
O MUNDO.
Não é pouco o que está escrito no Novo
Testamento, ao crente, acerca do "mundo", e da atitude que os crentes
devem ter para com o mundo. Sua natureza real é claramente definida; e o crente
é solenemente advertido a seu respeito. A santa Palavra de Deus é qual lâmpada
descida dos céus, que brilha em, "... Lugar tenebroso..." (II Pedro
1:19). Os seus raios Divinos exibem as coisas segundo as suas verdadeiras
cores, penetrando profundamente, e desmascarando o falso verniz e encanto de
que muitas coisas estão envoltas. Aquele mundo, em favor do qual tanto labor é
dedicado e tanto dinheiro é gasto, e que é tão altamente exaltado e admirado
por seus ingênuos e fascinados habitantes, declaradamente se encontra em
"inimizade contra Deus". Por esse motivo, os filhos de Deus são proibidos de se deixarem "amoldar" a
este mundo, ou mesmo de fixarem nele os seus afetos.
A presente fase de nosso tema, de
forma alguma, é o aspecto menos importante dentre aqueles que nos temos
proposto a considerar; e o leitor sério fará bem se buscar a graça Divina para
poder aquilatar-se por meio desse critério. Uma das exortações que Deus dirige
a Seus filhos diz como segue: "... Desejai ardentemente, como crianças
recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que por ele vos seja dado
crescimento para salvação" (II Pedro 2:2). E convém que cada um deles se
examine, honesta e diligentemente, a fim de descobrir se isso ocorre em Seu
caso ou não.
Por semelhante modo, não nos devemos
contentar com o mero aumento do conhecimento intelectual sobre as Escrituras –
pois, aquilo que mais necessitamos buscar, é o nosso desenvolvimento prático, a
nossa conformação experimental com a imagem de Cristo. E um dos pontos onde nos
podemos submeter a teste é o seguinte: A leitura e o estudo que faço da Bíblia,
me estão tornando menos mundano?
1. Estamos tirando proveito da Palavra, quando os nossos olhos são
abertos para discernir o verdadeiro caráter do mundo.
Certo poeta escreveu: "Deus está
nos céus – tudo vai bem com o mundo". De certo ângulo, isso é uma bendita
verdade; mas, de outro ponto de vista, é um conceito que peca pela base,
porquanto, "O mundo inteiro, jaz no maligno" (I João 5 :19). Porém,
somente quando o coração humano é Sobrenaturalmente iluminado, pelo Espírito
Santo, que se vê capacitado a perceber que aquilo que é altamente considerado
entre os homens, na realidade é, "Abominação diante de Deus". (Lucas
16:15). Muito agradecidos devemos sentir-nos quando nossa própria alma é capaz
de ver que o "mundo" é uma fraude gigantesca, uma ninhada oca, uma
coisa vil, que algum dia será consumido nas chamas.
Antes de prosseguirmos, convém que
definamos o "mundo", que ao crente é vedado amar. Existem poucas
palavras, encontradas nas páginas das Santas Escrituras, usadas com mais ampla
variedade de sentidos do que esta. No entanto, a atenção cuidadosa ao contexto usualmente
basta, para determinar o seu escopo. O "mundo" é um sistema ou ordem
de coisas, completo em si mesmo. Nenhum elemento estranho, pode ali
intrometer-se; e ainda que o faça, não demora a ser assimilado, ou tem de
sofrer certa acomodação. O "mundo" consiste da natureza decaída, que
se manifesta no seio da família humana, amoldando o arcabouço da sociedade
humana, de conformidade com as suas próprias tendências. É o reino organizado
da "mente carnal", que se encontra em "inimizade contra Deus",
e essa mente, ou seu pendor, "... Não está sujeito à Lei de Deus, nem
mesmo pode estar.". (Romanos 8:7). Onde quer que se manifeste a
"mente carnal", aí está igualmente o "mundo". Portanto, o
mundanismo é o mundo sem Deus.
2. Tiramos proveito da Palavra, quando aprendemos que o mundo é um
inimigo, ao qual devemos resistir e vencer. Ao crente é ordenado combater o, "... Bom combate da
fé...". (I Timóteo 6:12), O que subentende que há adversários a ser
enfrentados e derrotados. Tal como existe a Santa Trindade – o Pai, o Filho e o
Espírito Santo – assim também há uma maléfica trindade, a carne, o mundo e o
diabo. O filho de Deus é chamado a entrar em combate mortal contra essa
trindade maléfica; e dizemos "mortal", porque ou o crente obtém a
vitória sobre esses três adversários, ou é destruído por eles.
Portanto, meu prezado leitor, ponha na
sua mente, que o mundo é um inimigo mortífero; e, se você não o vencer no seu
coração, então é que não é filho de Deus, porquanto, está escrito: "...
Tudo o que é nascido de Deus vence o mundo.''. (l João 5:4). Dentre muitas
outras razões, poderíamos apresentar as seguintes, que mostram por que o mundo deve ser "vencido".
Em primeiro lugar, todos os seus
objetos tendem a desviar a nossa atenção, alienando da de Deus as afeições da
alma. Assim é necessário que seja, porquanto, a tendência das coisas visíveis é
desviar-nos o coração das realidades invisíveis. Em segundo lugar, o espírito
do mundo é diametralmente contrário ao Espírito de Cristo; por isso mesmo, é
que o apóstolo escreveu: "Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo,
e, sim, o Espírito que vem de Deus...". (I Coríntios 2:12). O Filho de
Deus veio a este mundo, mas, "... O mundo não O conheceu...". (João
1:10). E, por esse motivo, os seus "poderosos" e governantes O
crucificaram (I Coríntios 2:8).
Em terceiro lugar, as preocupações e
cuidados do mundo são hostis para com uma vida devota e celestial. Os crentes,
tal como o resto da humanidade, têm por dever trabalhar seis dias na semana;
porém, estando assim atarefados, precisam estar constantemente de sobreaviso, a
fim de que interesses cobiçosos, não
venham governá-los, ao invés de serem dirigidos pelo senso do cumprimento do dever. "E esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé". (1 João 5:4). Nada, senão a fé conferida por
Deus pode vencer ao mundo. Porém, assim como o coração se ocupa com realidades
invisíveis e eternas, assim também vai sendo libertado da influência corruptora
dos objetos mundanos. Os olhos da fé discernem aquilo que fere os sentidos
físicos em suas verdadeiras cores, percebendo que as coisas terrenas são vazias
e vãs, que não são dignas de comparação com os grandes e gloriosos objetivos da
eternidade.
O senso das perfeições e da Presença
de Deus faz o mundo parecer menos do que nada. Quando o crente vê que o Divino
Redentor morreu pelos seus pecados, vivendo para interceder pela sua
perseverança, bem como para manobrar os acontecimentos, com vistas à sua
salvação final, exclama: "Ninguém há na terra que eu deseje além de ti, ó
Senhor!". (Salmo 73:25).
E como se dá no seu caso, prezado
leitor, enquanto ouve essas considerações? Talvez você concorde cordialmente
com o que acabamos de dizer. Mas, na realidade, como as coisas correm em sua
experiência? Você pratica as coisas que os homens não regenerados tanto
apreciam, qual pessoa enfeitiçada? Basta que se tire do indivíduo mundano
aquilo em que ele se deleita, para que se sinta um miserável. E isso também
sucede no seu caso? Ou a sua alegria e satisfação presentes, se encontram em objetos que jamais poderão ser-lhe arrebatados? E não cuide o prezado leitor,
que essas coisas são destituídas de importância, rogamos-lhe; antes, que
pondere seriamente sobre elas, na presença de Deus. A resposta honesta,
apresentada a essas perguntas, servirá de índice para que perceba se está sendo
enganado ou não, ao pensar que é uma "nova criatura" em Cristo Jesus.
3. Tiramos proveito da Palavra, quando aprendemos que Cristo morreu
a fim de livrar-nos "deste mundo perverso" (Gálatas 1:4).
O Filho de Deus veio a este mundo, não
somente com o fito de "cumprir" os requisitos da Lei Mosaica (Mateus
5:17), de, "destruir as obras do diabo", (I João 3:8), de livrar-nos
"da ira vindoura" (I Tessalonicenses 1:10) e de salvar-nos dos nossos
pecados (Mateus 1:21), mas, também veio a fim de livrar-nos da servidão a este
mundo, liberando-nos a alma de suas influências enfeitiçadoras. Isso
foi prefigurado na antiguidade, quando das relações entre Deus e o povo de
Israel. Os israelitas tinham sido escravos no Egito; e o "Egito" é um
dos símbolos deste mundo. Ali se encontravam em servidão cruel, passando todo o
tempo a fazer tijolos para Faraó. Eram incapazes de libertar-se. Mas o Senhor,
em seu grande poder, os emancipou e os tirou da "fornalha de ferro".
Outro tanto faz Cristo em favor dos que Lhe pertencem. Também interrompe o
poder que o mundo tem de atrair seus corações. Torna-os independentes do mundo,
de tal maneira que nem cortejam os seus favores e nem temem as suas ameaças.
Cristo deu-Se como sacrifício pelos
pecados de Seu povo, a fim de que, em consequência disso, sejam eles libertados
do poder condenatório e das influências dominadoras de todos os males que
existem neste mundo: de Satanás, que é o seu príncipe; das concupiscências que
ali predominam; das conversas tolas dos mundanos. E o Espírito Santo, por
habitar nos santos, coopera com Cristo nessa obra bendita. Ele desvia seus
pensamentos e afetos para longe das coisas terrenas, para que se fixem nas
realidades celestiais. Devido à operação de Seu poder, Ele os livra da
influência desmoralizadora que os circunda, amoldando-os aos padrões
celestiais. E à medida que o crente vai crescendo na graça, vai reconhecendo
esse fato mais e mais, agindo de conformidade com esse reconhecimento. E assim o
crente busca libertação ainda mais completa deste "presente mundo
mau", implorando a Deus que o livre totalmente do mesmo. E assim, aquilo
que antes o atraía, agora lhe causa náuseas. Anela pelo momento em que será
tirado deste palco terrestre, onde o seu bendito Senhor foi tão vilmente desonrado.
4. Somos beneficiados com o uso da Palavra, quando nossos corações
são desligados do mundo.
"Não ameis o mundo,
nem as cousas que há no mundo." (I João 2:15). "O que a pedra de
tropeço é para o pedestre, no caminho, o que a carga é para o fundista e os
ramos de folhas para o pássaro em seu voo, assim também é o amor ao mundo para
o crente, em seu curso – ou desviando-lhe completamente a atenção desse curso,
porque o fascina, ou forçando-o a desviar-se do mesmo" (Nathaniel Hardy,
1660).
A verdade é que enquanto o coração não
for expurgado de suas corrupções, o ouvido será surdo para com as instruções
Divinas. Enquanto não formos elevados acima das coisas pertencentes ao tempo e
aos sentidos físicos, também não seremos levados a obedecer a Deus. As verdades
celestiais escapam da mente carnal, como a água escorre de qualquer corpo
esférico sobre o qual caia. O mundo voltou as costas para Cristo; e embora o
Seu nome seja professado em muitíssimos lugares, nada quer ter a ver com Ele.
Todos os desejos e desígnios dos indivíduos mundanos, visam à satisfação do
próprio "eu". Que esses alvos e inquirições sejam tão variados quanto
o queiram tais homens, o fato é que o próprio "eu" reina
supremamente, e tudo tem por escopo agradar ao próprio "eu".
Ora, os crentes se encontram no mundo,
não podendo sair dele; precisam viver o tempo que o Senhor lhes determinou. E,
estando aqui, têm de ganhar o próprio sustento, e de cuidar de seus familiares,
além de darem a devida atenção às suas atividades profissionais. No entanto,
aos crentes é proibido amarem ao
mundo, porquanto este não pode torná-los felizes. Seu "tesouro" e sua
"porção" se encontram algures. O mundo mostra-se atraente para cada
instinto do homem decaído. Contém mil e um objetos que o encantam – esses
objetos atraem a sua atenção, a atenção cria o desejo e o amor por esses
objetos, e, de maneira insensível, mas segura, vão fazendo impressões cada vez
mais profundas em seu coração.
O mundo exerce a mesma influência
fatal sobre todas as classes de homens. Porém, por mais sedutores e atraentes
que sejam seus variados objetos, todos os interesses e prazeres do mundo, têm
por intuito promover a felicidade somente
nesta vida, para isso estando adaptados – pelo que também foi feita a
indagação: "Pois, que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e
perder a sua alma?". (Mateus 16:26). Os crentes são ensinados pelo
Espírito Santo, e através da apresentação que Ele nos faz de Cristo, à nossa
alma, os nossos pensamentos se desviam para longe do mundo. Tal como uma criancinha
abandona um objeto sujo qualquer, quando algo mais agradável lhe é oferecido,
assim também o coração que se acha em comunhão com Deus, dirá: "Considero
tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu
Senhor... e as considero como refugo, para ganhar a Cristo" (Filipenses
3:8).
5. Beneficiamo-nos da Palavra, quando andamos separados do mundo.
"Não compreendeis que a amizade do
mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo
constitui-se inimigo de Deus". (Tiago 4:4). Um versículo como esse deveria
ser capaz de sondar-nos de um lado a outro, fazendo-nos estremecer. Como posso
confraternizar com aquilo ou buscar o meu prazer naquilo que condenou o Filho
de Deus? Se, porventura, eu vier a assim
fazê-lo, de imediato serei identificado como um dos seus inimigos. Oh, meu
prezado leitor, não se equivoque, quanto a esse particular. Está escrito: "Se
alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele" (I João 2:15).
Desde os dias antigos, foi dito acerca
do povo de Deus, que eles seriam um, "... Povo que habita só..."
(Números 23:9). Não há que duvidar que, a disparidade de caráter e de conduta,
de desejos e de alvos, que distingue os regenerados dos não regenerados, deve ser um fator que os conserva
separados uns dos outros. Nós, que professamos ser cidadãos de outro mundo; que
nos reputamos orientados por outro Espírito; que nos consideramos dirigidos por
outra regra; que nos imaginamos como quem viaja para outro país, não podemos
andar de braços dados com aqueles que, desprezam
essas realidades!
Por conseguinte, que todas as coisas, em nós e
ao nosso derredor, exibam o caráter de peregrinos
crentes. Sempre seremos: "... Homens de presságio...", ou seja, de
significância (Zacarias 3:8); e isso porque não nos amoldamos a este mundo
(Romanos 12:2).
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